sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Mostra de Cinema São Paulo (Cão Morto)

 

Crise Matrimonial

Pelas lindas imagens da esplendorosa fotografia de Mark Khalife, o drama familiar Cão Morto vem do Líbano em coprodução com a França, Catar e Arábia Saudita, para marcar presença nesta 49ª. Mostra de Cinema de São Paulo. A história é contada sobre se ainda resta algo a ser salvo numa conturbada relação, com uma dissecação sobre um casamento que respira pelos tubos e se decompõe ao mesmo tempo a cada dia que se passa. A direção e o roteiro são da libanesa Sarah Francis, que cresceu em Beirute, onde estudou no Instituto de Estudos Cênicos, Audiovisuais e Cinematográficos. Suas características são de abordagens que costumam apresentar paisagens sonoras e experimentos visuais que exploram a posição em constante mudança no mundo. Há em sua filmografia os longas-metragens Pássaros de Setembro (2013), exibido na competição principal do CPH: DOX em Copenhague, na Dinamarca e em diversos festivais e museus, e Assim Como Acima, Abaixo (2020), apresentado na 44ª. Mostra de São Paulo e no Festival de Berlim.

O enredo retrata um casal de meia-idade com seus problemas peculiares de monotonia no casamento. O prólogo apresenta Aida (Chirine Karameh) dirigindo seu carro numa noite chuvosa pelas montanhas libanesas encravadas num sugestivo cenário até chegar em uma casa aparentemente vazia. Reencontra ocasionalmente o marido, Walid (Nida Wakim), que estava há anos no exterior, após fugir por supostos problemas de conflitos internos em seu país, deixando pra trás a esposa e uma filha que foi morar com o namorado. Mostra-se surpresa com o fato inusitado. Ficam por uma noite e quatro dias discutindo a relação na tentativa de encontrar respostas, com visível desconforto, aos dramas e os segredos do matrimônio tumultuado. Não é uma experiência tranquila, embora cada um tente compreender as questões do outro com alguma dose de importância. Ela busca entender a dinâmica desse companheirismo remoto de maneira pragmática, esconde a verdade sobre o cachorro de estimação Pluto; ele se prende a uma antiga vida familiar que já não é mais a mesma pelos contratempos ocorridos.

A temática era interessante para a diretora explorar os motivos mais profundos dos vínculos de rompimento da separação e a tentativa de reconciliação que esbarra em indícios de traição. Os dissabores como elementos próprios de transformação são inequívocos pelas circunstâncias da alma e do coração, com o amor e o ardor, que não fluem pela narrativa preguiçosa. Mas nada é conclusivo e o casamento dá sinais de fadiga e a decomposição se torna iminente. Não há mais aquele desejo de uma libido exaurida pelo tempo, embora Aida faça uma tentativa final. A realizadora se atrapalha num roteiro confuso e de pouca inspiração, com uma edição frágil e uma trilha sonora fraca e invasiva, sem sentido, nas cenas que se desenrolam. Não há contundência e sequer aprofundamento, no qual prevalecem vários clichês se repetindo exaustivamente. Um filme que fica devendo pela falta da essência cinematográfica e pelo artificialismo dos diálogos diante da ausência de gatilhos plausíveis acionados para uma recomposição pela aproximação, mas sem qualquer virada de expectativa para a vida incomum. Já sem o fogo da paixão e a falta combustão para dar o clique da retomada, surge o clarão da separação abafado pelo tempo de uma convivência desmotivada e sem o apimentado desejo em tempos idos, tendo em vista o tédio reinante instalado. A luz no fim do túnel surgida não avança na trama e o indicativo primordial de que nunca é tarde para recomeçar e tentar de novo e sempre, como manda o tradicional manual de reconstrução, acaba sucumbindo no marasmo.

A cineasta tenta fazer uma reflexão dos atritos das relações surgidas no cotidiano do amor de outrora em sua extensão com os vínculos afetivos decorrentes. Tenta colocar dentro de uma proposta racional, na qual está presente o objeto fundamental do estado emocional complexo envolvente de um sentimento provocado em relação ao tênue laço matrimonial, que ruma para a extinção. Cão Morto deveria se aprofundar e refletir sobre a solidão, o etarismo que se avizinha e a possível traição que estão presentes nos personagens envolvidos. São situações pouco esclarecidas ou focadas na representação dos papéis dos personagens no dia a dia e da dúvida insistente. Estão entrelaçados dentro de uma verdade inafastável e onipresente na vida daquele casal com todas as incertezas que os rodeiam. Como uma simbologia sem consistência da existência pelo rompimento, e a reconciliação dos cônjuges mergulhados na incerteza, além das idas e vindas nas fracassadas relações de cunho turbulentas.

Há artificialismo no romance prestes a ser desfeito e improvável para ser refeito, e com pouco realismo no drama vivido. Por isto, a realizadora desenvolve um filme simplório sobre a tristeza do ser humano e sua proximidade com a vida angustiada pelas armadilhas do amor. Descamba definitivamente para um agridoce melodrama tradicional. Evidencia-se a ausência de uma construção sólida dos personagens, quando remete para uma solução pouco imaginativa, como se depreende do desfecho, afastado da criatividade enriquecedora do cinema na sua essência até esboroar-se. Uma obra descartável, sem nenhuma contribuição para um espectador mais exigente, embora satisfaça um público que busca apenas uma retórica açucarada e vazia ao se afastar de uma lúcida reflexão dos atritos das relações no cotidiano amoroso em toda sua extensão pelos vínculos afetivos. Além de ignorar os descompassos que levam à procura do sentido afetivo da paixão e seus princípios subjetivos. Tropeça na natureza instintiva ludibriada pelo roteiro comum e previsível. Sobra monotonia com longos planos-sequência que possibilitam vários bocejos e alguns cochilos.

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