A Reaproximação
Vem da Alemanha em coprodução com a Áustria a excelente
comédia dramática Toni Erdmann,
terceiro longa-metragem da produtora, roteirista e diretora alemã Maren Ade,
merecidamente ostentando o favoritismo para ganhar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Traz na bagagem o prêmio do júri do Festival de Cannes do ano
passado, esta abordagem com sensibilidade para uma fascinante reaproximação improvável
de uma filha com o pai, uma figura patética travestida num ogro humanista, mas com
um coração enorme, embora seja invasivo nas atividades profissionais e
particulares dela, preocupa-se com seu destino. Já no início das conversas faz duas
perguntas perturbadoras que darão verossimilhança para a trama: “Você está
feliz?” e “O que é a vida?”. Balança e desarma completamente a mulher, porém
cria-se um elo de proximidade para recuperar a relação estremecida e distante
pelo tempo entre os dois.
Uma mescla de drama familiar com uma comédia essencialmente
agridoce, com tintas fortes e marcantes sobre a solidão, o vazio e o sentido sartriano da existência. Winfried (Peter Simonischek- estupenda atuação) é um
homem grandalhão que tem bom humor e fina ironia, às vezes descamba para o
escatológico, porém logo supera suas fraquezas humanas, acaba encarnando o
bizarro personagem-título que faz de tudo para conquistar e ficar por perto de
Ines (Sandra Hüller- impecável no papel) e recuperar o tempo teoricamente
perdido. Para isto, irá visitá-la sem aviso prévio em Bucareste, onde a filha
trabalha numa renomada empresa multinacional com um cargo importante. Deixa a
vida pacata na Alemanha, após a morte de velho cãozinho de estimação, logo
percebe a instabilidade emocional e o conflito profissional que aflige a executiva
num encontro casual na casa da ex-esposa. Vai inteirando-se das dúvidas
galopantes de Ines no processo de demissão em massa que ela terá que realizar, ou
seja, uma tarefa árdua e dolorosa que traz angústia e sofrimento para quem deve
se acostumar com decisões radicais e inadiáveis no cotidiano de metas
empresariais.
A cineasta traz à baila a brutalização
de uma mulher que se vê mergulhada em coisas materiais e se distancia da
realidade do povo romeno que sofre com as mudanças pela globalização, ferindo
no âmago a cultura de pessoas dóceis e humildes. O calor humano e a ética são
corrompidos pelo poder de uma potência de outro país que ali se instala e vai
devastando o que vem pela frente. Mas a instigante cena da festa de aniversário
é o mote para a improvisação e a opção do nudismo para comemorar mais um ano na
vida dela que se passa. Envolvida com drogas e amizades promíscuas e
interesseiras, depois da confusão com seu vestido novo apertado, metáfora para
a libertação e retirar as amarras. Ali as pessoas ficam embasbacadas com a
surpresa e se revelam todas as fragilidades humanas, como um recado nas
entrelinhas para mudar o status quo.
O pai vestido de gorila novamente tenta dar a mão e indicar o caminho da
liberdade, como fizera antes com suas máscaras, a dentadura postiça horrorosa e
a emblemática peruca. São situações que mesmo criando constrangimento para
eficiente e ambiciosa filha, irão ao encontro da reflexão para uma nova vida,
sem os ternos e as roupas de grifes despojadas dos corpos de pessoas hipócritas
e com sentimentos violentados num universo sombrio e competitivo ao extremo e
sem ética.
Toni Erdmann
enfatiza com cores lancinantes a figura paterna assumindo outra personalidade
para afastar-se daquele idoso professor de música em sua aldeia para submeter-se
ao ridículo, em nome de uma causa justa e magnânima diante da desestruturação
familiar. A máscara que assume gradativamente para se fantasiar é a mesma que
corrói e inunda um mundo pouco civilizado no sentido lato sensu. A dupla personalidade é a essência das relações humanas
conflitadas, mas que para isto terá de desmascarar uma triste realidade, entre
as quais está a filha que ele pouco conhece, mas que retoma situações da
infância, como reminiscências de um passado longínquo, para também lhe tirar o
disfarce pesado da intransigência que carrega por anos, sob o manto do sucesso
a qualquer preço. Surtirá como um bálsamo de luz patriarcal, mesmo sendo
folclórico, mas tudo girará pela dignidade resgatada.
Pode-se apontar na temática uma semelhança com o drama
argentino Filha Distante (2012), batizado em alguns países com o nome
comercial de Dias de Pesca, de Carlos Sorín, quando aborda a relação de um homem
de 52 anos, ex-alcoólatra, que decide pescar tubarões na Patagônia, tem em
mente na sua trajetória existencial restabelecer os vínculos afetivos
deteriorados com a filha. Toni Erdmann
é também a busca do sentido da vida e o regozijo da existência e suas nuances
como resposta dos questionamentos no prólogo desta realização espetacular de
162 minutos que passam voando, mas que trará no desfecho uma reflexiva ideia de
leveza e o sentido de satisfação para continuar vivendo. Um filme com a magia
do cinema, além da boa dose de emoção na luta incessante e incalculável para
reparar um passado, reconstruir um reconfortante presente e estabelecer um definitivo
vínculo delineado pela ausência rompida no cotidiano de dias entediantes e
repetitivos dos dois. O afeto esbarra e se escancara na distância entre eles,
mas há um espaço comovente de amor a ser preenchido naquele imenso vazio nos
encontros fortuitos, deixando um legado imensurável para se entender a complexidade
humana.
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