terça-feira, 17 de setembro de 2024

A Viúva Clicquot- A Mulher que Formou um Império

Uma Mulher Resistente

Obras cinematográficas sobre vinhos e espumantes já renderam bons filmes, quase sempre instigantes, e em muitas vezes, aguça por serem agradáveis, reveladores e com algum mistério. Tivemos a comédia dramática mesclada com suspense policial O Vinho Perfeito (2014), do diretor italiano Ferdinando Vicentini Orgnani, inspirado no romance O Mestre Margarida, do autor russo Mikhail Bulgakov. Um enredo voltado diretamente para uma história em relação aos regozijos e prazeres sensoriais dos vinhos. Outro filme marcante foi Sideways- Entre Umas e Outras (2004), de Alexander Payne, ao narrar a intimidade de dois amigos pelas fazendas vinícolas da Califórnia na despedida de solteiro de um deles, como forma de refúgio de todos os problemas: separação, trabalho, mulher e amor. Em Um Bom Ano (2006), de Ridley Scott, o protagonista é obrigado a voltar para França, onde foi educado na arte da elaboração para classificar as uvas por um tio, dono de um vinhedo no país, por conta de seu falecimento. Outra realização interessante foi Sobre Amigos, Amor e Vinhos (2014), de Éric Lavaine, que estimula pela elegância simples da empatia dos personagens com os espectadores, bem como pela maneira como é focada as difíceis relações humanas, principalmente ao tentar ser agradável com todos, pode soar falso, e até estourar como uma bolha inflada.

O diretor inglês Thomas Napper, de 54 anos, tem em sua filmografia o filme Jawbone- Último Assalto (2017), depois dirigiu alguns seriados pouco expressivos. Em seu segundo longa-metragem, A Viúva Clicquot- A Mulher que Formou um Império, baseado no livro A viúva Clicquot: A história de um império do champanhe e da mulher que o construiu, da historiadora Tilar J. Mazzeo, foi adaptado pelos roteiristas Erin Dignam e Christopher Monger, nesta coprodução dos EUA com a França, equivocadamente falada em inglês. Conta a história de Barbe-Nicole Ponsardin (Haley Bennett), uma viúva de 27 anos, que depois da morte prematura do lunático esposo, François (Tom Sturridge), admirador do dramaturgo e filósofo Voltaire sobre as relações amorosas. Dedicado obsessivamente ao plantio dos vinhedos com músicas clássicas para melhor desempenho na colheita. Ela sofre muitas agruras e problemas por não ser do gênero masculino nos anos de 1800, na França. Tem que enfrentar o sogro, Phillipe Cliquot (Ben Miles), que reflete uma sociedade atrasada e completamente arcaica de pensamentos e comportamentos retrógrados que agem com o instinto machista de métodos clássicos, e ainda as normas retrógradas daquela época. Uma das quais foi editada pelo todo soberano Napoleão Bonaparte, em 1803, que proibia a mulher estar à frente e comandar negócios comerciais.

Os franceses viviam uma série de conflitos que colocavam aquele grande império em xeque, liderado por Napoleão e seu exército poderoso contra uma série de alianças de nações europeias. Houve embargos comerciais contra a Holanda, a Rússia, e outros países europeus. Barbe-Nicole teve um bom aliado para furar o bloqueio e exportar, o agente de vendas, Muller (Chris Larkin), amigo próximo do marido com seu estilo de galã e conquistador. O realizador aborda o tema e retrata em uma narrativa direta e sem rodeios a protagonista que desrespeita as convenções legais ao assumir os negócios da família Clicquout, como uma mulher destemida, bem além do seu tempo, empoderada e com muita fibra, na companhia de sua filha pequena, mesmo sem ter formação empresarial e conhecimento técnico de empreendedorismo. Ainda que sem apoio dos familiares, passa a conduzir a empresa e toma decisões políticas e financeiras que desafiam uma sociedade composta basicamente de homens, que não admitiam, em hipótese alguma, serem comandados e receberem ordens do sexo oposto numa época de guerras, na qual as mulheres ficavam somente em casa. Tem como grande mérito ser transformadora para inquietar o espectador de maneira transgressora.

A grande dama mostrou talento ao revolucionar a indústria de Champagne, torna-se uma das primeiras empresárias do ramo no mundo com a marca Veuve Clicquot, grife das mais reconhecidas e premiadas do setor, sustentada por 250 anos de história. Sem medo de arriscar sua independência financeira, já que a pequena fortuna da família vinha da indústria de tecidos. A entrada no ramo vinícola ocorreu após se casar, cujo sogro, um patriarca acostumado com o ramo têxtil, decidiu investir no comércio de bebidas. Em meio ao caos das guerras napoleônicas, em pouco mais de uma década fez da pequena empresa familiar um negócio colossal. Transformou o produto que vendia apenas como um simples luxo, para torna-se uma lenda em seu país. Teve ousadia, foi corajosa e mostrou muita resiliência ao superar preconceitos e dificuldades em tempos sombrios. Embora seja um drama, a realização tem um tom com fio condutor documental, ao estampar com eficiência a condição da viúva como uma estratégia de marketing para obter ótimos resultados. Para isto, sobrou uma invejável força interior e uma resistente capacidade emocional naquela mãe e mulher, que nunca se esvaiu ou se desequilibrou, mesmo que os transtornos e entraves governamentais se multiplicassem, para não abdicar de uma esperança de resgate, como na cena final do julgamento no Tribunal.

A Viúva Clicquot mostra os efeitos sociais impactantes no contexto, na rara falta de solidariedade mesclada com o deboche arrogante do universo masculino, através de atitudes condenáveis a uma pessoa realmente afetada pelo infortúnio do destino quando perde o companheiro precocemente neste drama baseado em fatos reais. Revela o caráter provocado por uma casta influente contagiada por uma cultura de outrora desumana da sociedade dominada pelos homens, que se importa muito pouco com os anseios, a dor e a necessidade de dar uma oportunidade, pelo simples fato de ser mulher. Além da vida da personagem central com sua filha menor dependente e afastada do convívio familiar, tem ainda que conviver com a segregação de gênero devido à condição de não ter nascido homem. Um filme com um olhar feminino, com bons diálogos, em que as imagens magníficas das lentes de Caroline Champetier são reveladoras, com o auxílio sem invasão da bela trilha sonora de Bryce Dessner. O desenrolar da trama é interessante pela sensibilidade e delicadeza de focar a chaga maligna enraizada no seio de um universo preconceituoso deste tema universal sobre a condição humana feminina, embora em tempos de séculos passados, pela pujança estimulante de impor a vontade para uma liberdade inegociável. Napper não busca pieguismos baratos do qual se afasta com méritos. Os paradigmas humanos são resultantes de uma reflexão pontual, no qual faz com que as cenas tenham o caráter da luta feroz pela igualdade de gêneros como símbolo da resistência feminina.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito do livro e o filme …foi muito bem feito …vale a pena assistir