segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Enquanto o Sol Não Vem

















Monotonia sem Profundidade

Agnès Jaoui atingiu o ápice como uma notável cineasta no filme O Gosto dos Outros, no ano de 2000, sendo inclusive indicada naquele ano para a categoria de melhor filme estrangeiro ao Oscar. Um filme denso e profundo ao retratar um homem de negócios bem-sucedido, que ao assistir uma peça de teatro, encontra-se com a atriz principal, que havia sido sua professora de inglês no passado, vindo a contratá-la novamente. Porém, ao conhecer uma garçonete amiga da atriz/professora, atormentada pelo uso constante de drogas, sua vida se transforma e dá uma volta inesperada, brotando toda a solidão do seu dia a dia, pois é um executivo dedicado exclusivamente ao trabalho, excluído do mundo social e cultural, bem como das mazelas de uma sociedade doente. Uma autêntica obra-prima.

Agnès realizou Uma Questão de Honra (2004), ganhador de melhor roteiro em Cannes, filme que tem na personagem Lolita- uma gordinha infeliz por não se enquadrar no modelo clássico de beleza- a abordagem de fracassos dos outros três personagens pela perda da fé, esperança e por não obterem sucesso em suas vidas pessoais e profissionais. Ao se intelerligarem, os quatro personagens começam a aprender a lidar com a infelicidade na vida. Outra realização grandiosa que transmitia as perdas e fracassos do ser humano diante de seus insucessos.

Agora neste seu último filme, Enquanto o Sol Não Vem, a diretora dá uma grande derrapada e erra a mão. Frustra seus aficionados espectadores. A ideia central da obra fraqueja pela sonolência das cenas e pela inaptidão de segurança de roteiro. Agnès escreve, dirige e protagoniza uma mulher bem-sucedida Agathe que precisa lidar com a crise familiar. Passa 10 dias na casa da mãe falecida, no sul da França, tentando ajudar sua irmã emotiva e mergulhada em mágoas Florence (Pascale Arbillot) a reorganizar os bens patrimoniais da herança deixada pela mãe. Encontra seu cunhado, o sobrinho, uma antiga empregada que tem o filho Karim (Jamel Debbouzze) que está produzindo um documentário e ainda um jornalista distraído e atrapalhado Michel (Jean-Pierre Bacri), mas que questiona sobre a guarda de seu filho que injustamente vê apenas a cada quinze dias. Agathe não tem resposta do porquê a mulher geralmente tem prevalência do filho em detrimento do homem, mas sobre o questionamento dos produtores quanto aos subsídios, rebate que o governo e os políticos não têm culpa da chuva que cai incessantemente. Já Florence responde ao marido que os 14 dias de chuvarada com 5 minutos de sol são os culpados pelo seu estresse.

Suas ideias feministas ficam soltas e sem respaldo de uma causa construtiva ou que tenha um ideal comprometido com uma realidade. Agathe não consegue se desvencilhar de sua personalidade austera e trata a governanta, mulher simples que fugiu da Argélia, como se fosse sua escrava. Cria-se um paradoxo de pensamentos obtusos e retrógrados, em nada verossímil com seu fervoroso discurso, porém nada mais é do que uma ativista de alma vazia, procedendo como uma pessoa rancorosa eivada de preconceitos raciais. Deixa de analisar com clarividência os valores e as relações de um país na era contemporânea. Fustiga e não alcança seus objetivos num panfleto feminista ultrapassado, sem cores definidas de um mundo que deve evoluir para o fim das ojerizas raciais e o desprezo pela xenofobia. O filme é fraco, patina e não avança. Está muito centrado em Agathe e torna-se entediante, monótono e chato.

O longa-metragem traz no seu bojo uma similitude com outro grande filme francês, o soberbo Horas de Verão (2008). Mas fica só na semelhança do enredo, pois naufraga pela inconsistência narrativa da personagem principal, que não transmite a solidez política e o engajamento de uma defensora comprometida com os interesses da classe. A traição da irmã com o jornalista não tem eloquência e se perde debilmente, faltando uma abordagem profunda. Sobra como fator positivo o despertar no relacionamento de Karim com a jovem garçonete que ameaça ir embora para Paris, ao ver seu casamento se esboroar, alcança uma magnitude que leva a uma simbiose de amor e felicidade de dois seres perdidos e esfalfados pelo destino.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Gigante














Paixão Silenciosa

O cinema uruguaio está cada vez melhor e se continuar assim, logo encostará na melhor escola de América do Sul, que é indubitavelmente a Argentina. Teve um início meio tímido, mas em seguida engrenou com Coração de Fogo (2002) com direção de Diego Arsuaga, depois conquistou o público com Whisky (2004), de Juan Pablo Rebella- que se suicidou aos 32 anos, em 2006- e Pablo Stoll, para culminar com a pequena obra-prima O Banheiro do Papa (2007), dirigido por Henrique Fernández e César Charlone. Pablo Stoll dirigiu seu segundo longa Hiroshima (2009) que em breve será lançado no mercado nacional, promete ser outro estrondoso sucesso de junto aos apreciadores da sétima arte. Obtiveram grandes passagens por festivais, como Gramado, Berlim e Cannes.

Agora vem bater em nossas telas, oriundo do país vizinho, este pequeno grande filme Gigante, dirigido pelo estreante argentino radicado em Montevidéu, desde 2004, Adrián Biniez, que faz questão de enaltecer como produção uruguaia, pois escreveu o roteiro pensando nas coisas, pessoas e as ruas da capital do Mercosul. Galgou o Urso de Prata no Festival de Berlim (2009) e três Kikitos no Festival de Gramado (2009) de melhor ator, roteiro e prêmio da crítica, tendo injustamente perdido para A Teta Assustada, como melhor filme latino. Mesmo com um orçamento ínfimo de 600 mil dólares, com um ator estreante no papel principal de Jara, também conhecido como Jarita ou Gordo (Horácio Camandule, de 36 anos, 125 Kgs e seus 1m93cm), contracenando com Julia (Leonor Svarcas). Pequeno pelos seus 84 minutos que passam rapidamente, mas grande pela eloquência, num misto de criatividade com originalidade.

Jara é um segurança de supermercado que se apaixona silenciosamente pela faxineira sem graça, através da câmeras de monitoramento. Quase nunca fala, exceto raras vezes com seus colegas de trabalho e o sobrinho rechonchudo como ele, ao jogarem videogame. Poucas vezes fala, num filme onde o roteiro propositalmente remete para raros diálogos, onde as imagens demonstram sua grandiosidade e todo o esplendor pelos gestos de um homem gigantesco, apreciador de rock da pesada que adora fazer palavras cruzadas, na sua simplicidade de uma pessoa comum, mas de um coração enorme. Seu instinto quase que beira a irracionalidade conflitua com o ser amoroso e de baixa estima pela timidez inata.

Fica evidente a inversão de papéis como da humanização da besta ou do homem que se bestializa. Instala-se um jogo de gato e rato, com passagens fulgurantes de caçador e de caça. Do anjo da guarda passando para o ataque como uma fera incontrolável e não domesticada, bastando para tal, alguém colocar em risco sua protegida que dormita em seu coração. O longa é um poderoso drama da relações humanas, na vulnerabilidade de um homem com seus quase 2 metros de altura, torna-se impotente diante da amada platônica, magra, miúda, frágil, que o deixa transtornado, observando-a sistematicamente pelas câmeras no interior do ambiente. O clima tenso avança para o final, tornando-se iminente um desfecho que irá libertá-los das amarras de sua autocensura e do medo da rejeição.

O longa é denso e as vezes até cômico. Porém, há o clímax explosivo de raiva e ódio que irão transformar o pacato segurança num ser irracional, já prenunciado em cenas anteriores, como a do violento espancamento ao trucidar o motorista de táxi que ousou lançar farpas amorosas para Julia. Sua respiração arquejante, como de um animal selvagem acuado pelo amor, explode com a imposição da injustiça cometida pelo supervisor do supermercado, ao ser esmurrado junto com a demolição literal das gôndolas de alimentos. Há um duelo de poderes a serem decifrados entre o subalterno e o mandatário. Um filme com todos os subsídios psicológicos que levam do tom cômico para o drama magistral. O reflexo da violência implícita se exterioriza quando as evidências da negação da justiça se fazem presentes, refletindo na materialização.

Há evidentes influências de clássicos do cinema, como do célebre filme King Kong (1933), diante da desproporção entre Jarita e Julia, mas em ambos há a paixão fulminante pela fragilidade, como do gorila gigantesco que luta contra os dinossauros e a mocinha é jogada de um lado para outro, bem como no clássico infantil A Bela e a Fera dá conotações e seus ares de influência artística minimalista. Outra obra que o influenciou, mesmo sem ser clássico, é o ótimo drama O Guardião (2006), dirigido pelo argentino Rodrigo Moreno, abordando de maneira profunda a solidão e o silêncio de um guarda-costas de um ministro com a tolerância se esgotando dia a dia.

O final é quase que inusitado de Gigante, mas com todas as condições emblemáticas de uma harmonização do mar revolto precedido pela areia branca, assim como os diálogos cobertos pela mudez e indicadores de uma realidade prestes a se concretizar, mesmo que para tanto haja os contratempos naturais em vidas que se cruzam pelo acaso e se fundem pelo destino. Eis um filme para ser visto e não ouvido, diante da valorização da imagem em detrimento dos cansativos diálogos impostos por alguns cineastas descuidados.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Uma Canção de Amor


















Amizade Acima de Tudo

Em 1942, a Tunísia foi invadida pelas forças nazistas do poderoso exército alemão de Adolf Hitler. Havia uma forte propaganda contra a França que na época mantinha a soberania sobre os tunisianos. Os nazistas acusavam os franceses de protegerem o povo judeu, propiciando-lhes estudar em boas escolas e não usar túnica, e boicotarem os muçulmanos que eram obrigados a vestirem-se de modo inadequado e sem oportunidades de frequentarem bons colégios, razão pela qual conseguia receber certa simpatia e trazer aliados para sua frente de combate. Espalhavam à população manifestos de apoio dos EUA e da Inglaterra à França, fazendo-de bons samaritanos e protetores dos sofridos norte-africanos. Este é o fulcro político principal do comovente filme Uma Canção de Amor, dirigido com exatidão por Karin Albou.

No meio da guerra, com o incessante espocar de bombas e os toques de sirenes ensurdecedores, há uma grande e digna amizade de duas jovens de 16 anos. Myrian (Lizzie Brocheré), com seus graúdos olhos azuis dentro de sua beleza infantil, é a judia que viviam na mesma comunidade, mas passou a dormir na casa de sua inseparável amiga muçulmana Nour (Olympe Borval), uma adolescente de olhar meigo e doce, de corpo juvenil, mas sedutora do primo prometido de casamento Khaled, que passa a ser um colaborador oportunista das terríveis forças alemãs no transcorrer do filme, entregando inclusive Myrian e sua mãe Tita (Karin Albou- que também dirige), fazendo-a perder o emprego e entregar a filha ao médico rico tunisiano Raoul, que também alia-se aos nazistas, traindo colegas e o seu povo indignado, com participação acentuada nas operações do campo de concentração e trabalhos forçados aos judeus.

O longa-metragem traz evidências de situações constrangedoras, arranhando até a amizade das duas garotas, como de Khaled que tenta forçar a ruptura do elo entre sua recém esposa com Myrian. Determina que Nour passe a ler o Alcorão, com passagens de ensinamentos contrários aos cristãos, onde deva converter-se ao islamismo, pois quem contraria o Deus Islã será punido pelo grave pecado. Mas há o pai, pessoa simples, porém de cultura e sabedoria invejáveis, quando aponta para o próprio Alcorão e outras parábolas e verdades que a fazem refletir sobre os valores da vida, como as ideias de negar o Cristianismo e abandonar sua amizade de infância. Cenas magníficas, que são retomadas pela diretora, pois já o fizera anteriormente no belo A Pequena Jerusalém (2005), onde prega um mundo de convivências harmoniosas entre muçulmanos e cristãos, judeus e árabes.

Uma Canção de Amor tem o viés da imparcialidade e o condão da isenção, afastando de vez todo e qualquer ranço religioso ou político. Sua neutralidade conduz e faz um notável filme. Coloca em xeque os dogmas das religiões para serem discutidos, sem eventuais preferências. Fica latente as irracionalidades e os seus contrastes com os interesses políticos de uma guerra patrocinada pela Alemanha, onde joga e se insinua maliciosamente para os muçulmanos. Os choques de deuses e religiões se misturam no conflito de um povo que tem seus País tomado e vilipendiado por outro.

A talentosa diretora consegue extrair de seu bom elenco, uma metáfora significativa da lealdade e do amor das meninas, contrastando com a truculência dos adultos e dominadores de um mundo tumultuado por interesses econômicos, políticos e religiosos. A pujança desta película fica entranhado na alma do espectador que absorve lentamente toda magia de um cinema voltado para o realismo e a denúncia.

O cenário é condizente com a época, numa bela fotografia e roteiro correto. Cabe gizar uma cena reveladora, ao mostrar de forma singular o sono de Myrian sendo interrompido pela orquestra das botas dos soldados ecoando pela madrugada, num prenúncio de dias tenebrosos e noites negras que virão.

Apenas a se lamentar, a meteórica passagem pelos cinema da capital gaúcha, ficando menos de 15 dias em cartaz.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Manhã Transfigurada


















Manhã Póstuma

O primeiro longa gaúcho totalmente produzido no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Santa Maria, vale mesmo pelo esforço da equipe técnica e da produção. Seu diretor Sérgio de Assis Brasil faleceu em 2007, antes de terminar a obra, que levou mais de 10 anos para ser concluída. Coube ao produtor Álvaro de Carvalho Neto terminar bravamente Manhã Transfigurada, lançado agora em Porto Alegre e nas principais capitais brasileiras, entre as quais Rio de Janeiro e São Paulo. Antes houvera uma sessão especial no Festival de Gramado de 2008 e uma pré-estreia na cidade que fora produzido e rodado.

O longa foi adaptado do livro do festejado escritor Luiz Antônio de Assis Brasil, primo do diretor, que pretendia realizar primeiramente uma minissérie, mas ao obter verbas por patrocínios, incentivos legais, optou pelo cinema, com uma tenacidade elogiável na busca de recursos e apoios da iniciativa privada. Gustavo Assis Brasil, filho do cineasta, criou e gravou a trilha sonora em 2004. Percebe-se claramente os diálogos serem dublados e o artificialismo puro das cenas mais dramáticas, tendo em vista as dificuldades com o som direto, diante dos problemas de áudio. É inegável que Sérgio foi um incansável desbravador pela paixão que nutria pela sétima arte. Esta óbra póstuma deve ser prestigiada, pelas dificuldades sabidas de se elaborar, produzir e colocar no mercado uma película sem apelos comerciais e afastado de uma mídia poderosa como a da rede global que enaltece e arrasta multidões para assistir os intragáveis Os Normais, Se Eu Fosse Você 1 e 2, filmes da Xuxa e da Turma dos Trapalhões, subprodutos da televisão.

Os desacertos são muitos na produção, entre os quais o forte sotaque do interior gaúcho, dando uma conotação muito regional para o filme. Obstaculiza desta maneira uma trajetória que poderia ser alvissareira, inviabiliza portanto uma comercialização nacional e um público mais eclético. Peca fundamentalmente pelo simplorismo do roteiro, onde uma moça é ofertada pelo pai para cobrir as dívidas de sua fazenda, no final do século XIX, porém o marido descobre não ser virgem sua esposa na noite de núpcias, buscando a anulação do casamento, deixando-a trancada em casa com sua governanta. Também o final é por demais previsível, numa tentativa forçada de tragédia grega, onde estão envolvidos os sacristão apaixonado e o padre como fruto da nova paixão da jovem estigmatizada pelo esposo, um estancieiro rico mas de uma grossura imensurável.

Os valores como religião, moral e família poderiam ser mais aprofundados. A superficialidade é reinante e a história segue seu périplo sem qualquer contestação, embora haja um conflito bem nítido como da carne e do espírito, provocados Camila, tanto no padre com seus sonhos e devaneios, como no seu ajudante de ordem que chegou as vias de fato, apaixonando-se loucamente pela mulher mais hostilizada da paróquia.

O longa gaúcho segue uma narrativa complicada, pois o roteiro tem uma predileção por novelas de época das 6 da tarde da Rede Globo, como Sinhá Moça, Escrava Isaura, Paraíso, Cabocla, entre outras. A fotografia é alentadora no emaranhado do filme. Quem se salva mesmo é a bela atriz Manuela do Monte, de 17 anos à época, com seus cabelos cacheados, de rosto fulgurante, sedução nos olhos e inocência da fala e corpo esguio, no papel da pseudoexilada Camila, que hoje brilha na novela Paraíso como Tonha. Outro erro é o elenco, exceto a atriz referida, pois o tom teatral em forma de jogral leva as representações a sucumbirem irremediavelmente, diante da farsa dos atos com caricatos diálogos.

Manhã Transfigurada segue uma linha convencional linear, afastando qualquer tipo de surpresa, do início até o final. É notória a sensação do déjà vu. Até o filme Concerto Campestre que passou há alguns anos, também retirado do livro do escritor Luiz Antônio Assis Brasil, dá um resultado bem melhor, com algumas semelhanças e proximidades de roteiro, abordando de forma mais clara e contundente os costumes do interior do Rio Grande do Sul. Fica o esforço comovedor da produção, porém o resultado é decepcionante, restando a semente deste diretor e pioneiro do interior gaúcho.