quinta-feira, 28 de junho de 2012

Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios



Relações Perigosas

O triângulo amoroso já rendeu vários bons filmes pelas mãos de diversos cineastas pelo mundo. Agora Beto Brant e Renato Ciasca dirigem com muita habilidade e dão um suporte denso nesta nova incursão pela paixão entre três seres distintos e antagônicos no instigante Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios, com Ciasca e Maçal Aquino assinando o enxuto roteiro.

A trama tem no vértice a espetacular Camila Pitanga, sensual ou catatônica, em sua maior atuação no cinema, ao encarnar de forma despudorada a jovem instável de belo corpo Lavínia. Este papel lhe rendeu como a melhor atriz no Festival do Rio. Nos outros extremos estão os dois homens: o fotógrafo forasteiro Cauby (Gustavo Machado- não está no mesmo patamar de interpretação de Pitanga), com um olhar nos fatos quer acontecem ao seu redor, faz da moça sua musa inspiradora em seu atelier fotográfico; e do outro lado o marido Ernani (Zécarlos Machado), um pastor que lança palavras de estímulos aos seus devotos, mostrando o suposto caminho do bem e alertando sobre os problemas que rondam a região, tendo em vista as constantes devastações da Floresta Amazônica com as consequências do clima, vegetação, relevo, fauna, flora e a preservação. Fala das queimadas e da ausência de um governo mais atuante e divorciado das peculiaridades daquelas pessoas humildes.

Aproveitando mote do romance proibido, os diretores mostram um povo empobrecido no Pará, predominantemente de índios, onde seus habitantes vivem em condições precárias pela pobreza ali arraigada, bem próxima dos protagonistas principais e com uma boa dose de densidade aos personagens são evidentes em cada cena que avança até o epílogo, fluindo belas imagens de uma fotografia esplendorosa, entrecortadas por cenas apimentadas de sexo com um erotismo de muita sensualidade.

O drama vai crescendo aos poucos, mas já no início o dono do jornal (Gero Camilo) alerta o fotógrafo e antevê dias difíceis e conturbados, ao recitar versos de poemas de Cecília Meireles, numa clara alegoria de um final com tendência de tragicidade. Tanto a perda do olho de Cauby, como o estado de catatonismo de Lavínia, são ingredientes sinistros de uma região violenta e acometida de selvageria, passando por um processo de incivilização de povos e governantes dentro de um sistema bancarrota. Dá margem para um olhar preocupante e devastador de uma área geográfica em conflito de cangaceiros. É visível que o pistoleiro está presente e bem perto como uma ameaça, como na cena em que o fotógrafo o recebe sem perceber, mas que dará desdobramentos por mortes encomendadas e prisões de inocentes com o transcorrer da trama.

Eu Receberia... mostra-se como uma película pungente com bastante intensidade no desenrolar. Aborda o passado da musa no Rio e Janeiro com magnífica discrição, sem ser omisso e deixando os fantasmas surgirem em sua cabeça, razão pela qual resiste em deixar o marido pastor. A doença da hibernação que a aflige causa-lhe medo, diante da possibilidade da reviravolta que teria de dar em seu futuro. Luta contra as lembranças da vida marginal que a persegue, estando agora num quase isolamento no interior da Amazônia, buscando exorcizar freneticamente os fantasmas que estão ao seu redor.

O filme fala de amor e de interação entre personagens que querem se reabilitar. Lavínia tem na ânsia da paixão e da insaciabilidade o regozijo de uma situação menos opressora, diante do contexto de um espaço imaginário, onde a emoção está acima da razão como forma de escapar da perversidade de um mundo infestado de maledicências e picuinhas. Ciasca e Brant conduzem o filme para um clímax adequado sem firulas e exageros, nem dispersivo ou apelativo. Brant é um diretor seguro e completou agora seu sétimo longa-metragem, com destaques para os anteriores O Invasor (2002), Ação entre Amigos (1998), e o melhor de todos é Os Matadores (1997). Fica um recado da obra: o cinema brasileiro precisaria de outras realizações deste nível de reflexão como este excelente e maduro longa, que faz pensar e tentar entender o universo humano.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Habemus Papam

















O Papa Conflitado

O último longa-metragem do festejado e premiado Nanni Moretti, um diretor ateu, mordaz e crítico dos poderes da Itália, causou um temor no Vaticano, ao realizar uma obra sobre os bastidores da eleição de um Papa. Porém, mostra-se elegante e bastante contido, sem ultrapassar os limites do bom senso. Já em A Missa Acabou (1985), o cineasta satirizara a igreja, através de um complicado padre na periferia de Roma; no longa O Crocodilo (2006), sobrou para o ex-primeiro- ministro Silvio Berlusconi, que teve sua imagem abalada sem perdão pelas críticas do diretor; mas sua obra maior talvez seja o ganhador do Palma de Ouro em Cannes, O Quarto do Filho (2001), sobre o drama de um psicanalista que reside e trabalha na cidade de Ancona, tem dois filhos, até que uma tragédia o transtorna completamente, ao deixar de acompanhar o filho à praia e nesse passeio o rapaz morre afogado. Uma magnífica reflexão sobre a morte e a forte sensação de remorso. Também ganhou o prêmio de melhor direção em Cannes pelo longa Caro Diário (1993).

Habemus Papam é um drama com boa dose de humor e ironia fina, ao abordar a eleição papal realizada entre os cardeais, sendo escolhido o vacilante Melville (Michel Piccoli- aos 86 anos, demonstra plena forma e esbanja talento, como já fizera em A Bela da Tarde (1967) e O Discreto Charme da Burguesia (1972), ambos de Buñuel, como o santo padre, pois hesita em manifestar-se para os fiéis que o esperam na Praça de São Pedro. Moretti aborda com sutileza a angústia do Papa e lança uma hipótese arrasadora, ou seja, caso vacilasse e desistisse da missão de Deus de conduzir os homens na terra, como seria o futuro e a fé dos cristãos?

O filme retrata um homem falível, por ser uma pessoa conflitada com um novo desafio pela frente, decide abandonar seus compromissos momentaneamente e foge em pânico para fazer suas reflexões. Busca no teatro seu refúgio de um humano claudicante, na desesperada aflição existencial que o atinge, vai ao encontro da suas reflexões e faz críticas à própria Igreja. Ao juntar-se com os mortais no ônibus, na cafeteria ou ainda caminhando pelas ruas, a crise estabelecida na Santidade se esboroa e os caminhos parecem encurtar e jogá-lo num labirinto de dúvidas e fragilidades, que sequer imaginava vem à tona e o coloca de frente com uma realidade obscura e terrível de um futuro incerto e cheio de antagonismos.

Na cena em que busca refugiar-se no ensaio da peça teatral, fica evidenciada a metáfora do jogo de cena e da interpretação que terá ao enfrentar os fiéis, quando chegar a hora de falar e levar uma palavra de devoção e religiosidade àqueles que o esperam ansiosos, além da imprensa faminta por informações e sequiosa de uma publicação nas páginas dos jornais e revelar a identidade do eleito.

Tudo é muito rápido na vida de Melville e o grande momento lhe aguarda. O mundo parou para vê-lo, a fumaça branca chega ser confundida com a preta nas chaminés, porém a falibilidade não está no roteiro e apesar de sua devoção, ainda não está suficientemente preparado para o posto máximo. Ou seja, sequer teria o direito de renunciar, tendo em vista que a pressão é avassaladora e quase suplanta caprichos ou hesitações, ainda que seu sonho fosse uma antiga vocação frustrada de ser um ator de teatro em detrimento da eleição que o guindou ao topo do catolicismo.

Outra cena ferina é a do porta-voz (Jerzy Stuhr- ótima interpretação) quando chama o psicanalista Brezzi (Nanni Moretti- também atua em elogiável desempenho) para auxiliar e estimular o Sumo Pontífice eleito que grita: “não posso”, “não quero” e “não estou pronto”. É proibido tratar de sexo e sonhos, embora sem permissão para comunicar-se com o mundo exterior, acaba por enclausurar-se no Vaticano, perde o controle da situação e inventa jogos ente os cardeais, sendo o mais disputado o torneio de voleibol entre os representantes dos continentes, apesar da Oceania estar em flagrante minoria, a disputa é interrompida abruptamente. Brezzi visa a razão num cenário dominado pela extremada fé. Outra cena marcante é a do guarda suíço investido no papel de Papa, simulando no quarto sua presença para iludir o povo na praça e a imprensa.

Fé e coragem são demonstrações que não podem faltar, apesar do final de aparência politicamente incorreto, mostra-se corrosivo diante de uma suposta intransigência deturpadora e verossímil entre o desejo e a vocação, onde a estupidez paira nos homens, principalmente quando a religião está em foco, sem o menor escrúpulo ou abertura para um diálogo próspero. São reveladas inaptidões e falta de habilidade para conduzir situações pragmáticas do cotidiano. Moretti sutilmente deixa transparecer que fica um controvertido sacrifício pelo ideal da fé religiosa manifestada como demonstração de um louvor abalado neste bom drama reflexivo sobre a Igreja Católica.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Deus da Carnificina

















Revelações Cínicas

Ainda que o diretor polonês Roman Polanski esteja meio preguiçoso para filmar, sua última obra Deus da Carnificina tem bons motivos para ser assistido. Não é um daqueles filmes como acostumou seus fãs, sem o vigor do suspense em alta tensão ou a abordagem profunda de uma sociedade em decomposição. Mas ainda assim tem elementos consistentes neste seu último drama, tendo na hipocrisia entre dois casais, sua grande arma para levar até o fim o enredo.

Polanski é um dos mais maduros e competentes cineastas em atividade, embora sua conturbada vida pessoal atrapalhe em muito seu destino no território dos EUA. Seus problemas pessoais e sua suposta dívida para com a justiça não impedem e nem devem servir de obstáculo para atenuar os efeitos de sua meritória trajetória cinematográfica. Sempre é bom lembrar o tensionamento sinistro e apavorante em O Bebê de Rosemary (1968), uma obra-prima do terror; ou o mais leve A Dança dos Vampiros (1967), um misto de terror e comédia; o frio noir que notabilizou o magnífico Chinatown (1974), gênero bem explorado com toda elegância e frieza num policial marcante e que deixou belos ensinamentos de uma realização com fôlego até o último minuto da película; sem esquecer o instigante O Inquilino (1976), um verdadeiro achado de suspense; a perturbadora reflexão sobre a guerra no filme O Pianista (2002), que lhe valeu o prêmio de melhor diretor do Oscar; e recentemente o penúltimo longa, o excelente suspense de política O Escritor Fantasma (2010), que rendeu o prêmio de melhor diretor no Festival de Berlim.

O filme é baseado na peça de teatro da dramaturga francesa Yasmina Reza, que foi encenada várias vezes, iniciando em 2006. Foi realizada no Brasil com Paulo Betti, Júlia Lemmertez e Deborah Evelyn. A própria Reza é a autora do roteiro do longa, talvez por isto a narrativa segue um ritmo teatral, ou seja, uma peça do palco filmada e transportada para a linguagem do cinema, mas bem solucionada pelo diretor, que evita a simplicidade de apenas adaptá-la e busca a interação, pois coloca um razoável ritmo sequencial nos planos. Polanski é daqueles cineastas que nunca passam indiferentes e seus filmes sempre causam reações na plateia, por sua verve sarcástica e inerente ao velho mestre de 78 anos. Burilou a versão do teatro para o cinema quando estava em prisão domiciliar na Suíça.

O cineasta imprime consistência num aparente mote simples, embora a complexidade humana tome vulto e persista, onde um casal Nancy (Kate Winslet) é uma beldade que se acha a melhor mulher de todas e é casada com Alan (Christopher Waltz-o inesquecível nazista do soberbo longa Bastardos Inglórios (2009), de Tarantino), um advogado de uma indústria farmacêutica multinacional, que vende remédios duvidosos para os cardíacos. Visitam os pais do menino agredido, Penélope (Jodie Foster), uma dona de casa com algum interesse em arte, escritora nas horas vagas sobre o sofrimento da África e seu marido Michael (John C. Reilly), um homem simples que vende produtos domésticos, num encontro que tem como objetivo o pedido desculpas pela agressão do filho.

O drama começa com uma cordialidade até dignificante na recepção do casal que tem o filho agredido injusta e covardemente por um taco numa praça com seus verdes espalhados. A mesma cena se repete no final, já sem a agressão, mas com personagens distantes de uma realidade. O cinismo inicial entre os pares logo dará lugar para uma verdadeira catarse de acusações mútuas, tanto de marido para mulher nos dois casais, como de pai para pai, ou de pai para mãe, onde a reciprocidade se espalha e atinge o âmago dos gladiadores como se estivessem numa arena.

Com um elenco ótimo, os diálogos são bons e o clima esquenta como bem sugerido em Deus da Carnificina. Sobra para todo mundo e o diretor mostra um cenário de pais desajustados, onde estão mais voltados para o mundo exterior, como o personagem do advogado, sempre falando pelo celular com seus clientes e interrompendo constantemente sua conversa, numa pura demonstração de incivilidade e desrespeito com as pessoas próximas; ou Michel que recebe várias ligações da genitora, uma dependente e viciada em remédios; ou as esposas sempre afiadas com alfinetadas pontuais para o rompimento da relações, bem ou mal assessoradas pelos maridos, verdadeiros pais ausentes e distantes dos problemas dos filhos.

Apesar de complexo, trata-se de um filme menor na carreira de Polanski. Não deixa de ser provocativo e polêmico, pois consegue fazer com que um encontro amistoso de retratação se transforme em um exorcismo de almas e mágoas que estavam jogadas debaixo do tapete. A partir disso, surge uma grande discussão regada a bebidas e sessões escatológicas de vômitos. O resultado é um filme inferior aos anteriores.