segunda-feira, 30 de junho de 2014

El Padre de Gardel


O Filho Bastardo

O diretor uruguaio Ricardo Casas lança novas luzes sobre a polêmica da origem do mitológico cantor e compositor Carlos Gardel, ao completar 79 anos do seu desaparecimento por um acidente aéreo em 1935, com o longa El Padre de Gardel, coproduzido com o Brasil através da Casa de Cinema de Porto Alegre, foi selecionado para o Festival de Gramado de 2013 e integrou a última Mostra de Cinema de São Paulo. É o segundo documentário biográfico do cineasta que, em 2004, estreou com Palabras Verdaderas, abordando a carreira do escritor conterrâneo Mario Benedetti (1920-2009).

Ao melhor estilo do veterano documentarista brasileiro Eduardo Coutinho, morto neste ano de forma trágica, Casas mostra-se hábil para extrair o substrato de cada entrevistado, numa trama que fixa como ponto culminante a vida pregressa do suposto pai do mito Carlos Escayola (1845-1915) e a construção de uma recheada história pontilhada pelo poder e pelos romances inusitados. O documentário centra a investigação entre 1860 e 1890, buscando em relatos e na pesquisa documental sobre a biografia conturbada de Escayola, um homem poderoso que dominou a política e a vida cultural da pequena cidade de Tacuarembó, interior do Uruguai. Foi fazendeiro, coronel e chefe político da localidade, parceiro do general Netto na Revolução Farroupilha e teria lutado na batalha sangrenta da tríplice aliança na Guerra do Paraguai, construiu um amplo e luxuoso teatro para apresentação das famosas peças europeias, conquistou muitas mulheres pela fama de sedutor, que lhe valeu uma das maiores polêmicas familiares registrada naquele lugarejo.

O mérito maior do diretor é saber selecionar da galeria de depoimentos aqueles mais consistentes e adequados ao tema, sob o ponto de vista humano e com a força das descrições contadas pela boca de personagens do povo e por historiadores sobre as origens da vida do artista, passando pela trajetória da família, mais especificamente de seu avô que migrou da região da Catalunha para o Uruguai e dali nunca mais saiu. Sem ser piegas ou definitivo, longe disto, pois sabe controlar e dar o tom na entrevista como um emérito perguntador, deixa as pessoas à vontade para falarem algo interessante ou até mesmo grandes devaneios sobre Escayola e os enigmas guardados com fervor e paixão pelos remanescentes daquela simpática cidadezinha encravada no pampa uruguaio com seus mistérios do passado.

O debate sobre a nacionalidade e o local correto onde nasceu o rei do tango que adotou a Argentina como sua pátria não terminará, pois haverá ainda muita discussão inflamada sobre os verdadeiros fatos contados na película contrários aos especialistas que defendem ter Gardel nascido em Toulouse, na França. Casas retrata o patriarca do famoso ídolo argentino como um déspota que teria se relacionado com três irmãs e a sogra, o que possibilitaria ser filho incestuoso de uma pré-adolescente, ao melhor estilo do craque brasileiro Mané Garrincha, também fruto da relação de uma irmã com o pai.

El Padre de Gardel é um documentário com uma grande dose investigativa para ser memorizado como uma boa contribuição histórica. Sobram problemas neste universo de vidas conflitadas, onde não faltam incesto, traição, pedofilia e a negativa da paternidade, com o abandono da criança bastarda e a simplória maneira da doação forçada para o país vizinho, como uma forma de livrar-se do estorvo, que mais tarde faria suas canções sobre a tragédia pessoal da rejeição familiar. Um filme sobre a falta de dignidade e os atropelos sob o prisma da hipocrisia para não ser ofuscado, numa tentativa tênue de evitar o escândalo na sociedade e a perda da fleuma de uma aristocracia repleta de nefastas e ignóbeis manchas de uma conduta de caráter vil, advindas de um contexto perverso e doentio.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Avanti Popolo

















Memória Resgatada

Radicado em São Paulo desde 2004, o diretor uruguaio-israelense Michael Wahrmann laureou-se com o prêmio de melhor direção, troféu da crítica de melhor filme e ator coadjuvante (Carlos Reichenbach- morto em 2012) no Festival de Brasília de 2013, com seu primeiro longa Avanti Popolo- título extraído de um hino comunista do século XX-, um misto de drama com documentário, numa abordagem sobre o passado pela visão de um pai à espera do filho mais velho desaparecido em dezembro de 1974.

A trama mostra o cineasta Reichenbach interpretando o papel de um patriarca recluso numa modesta casa protegida por uma simplória grade frontal, com um carro velho enferrujado na garagem, está sempre acompanhado de sua cadelinha Baleia, uma fiel escudeira que brinca com ele e o faz ir procurar uma bola que se esconde, ou desaparece, assim como o rapaz eclipsado num dia qualquer pelo regime militar discricionário que reinava no país. O filho caçula André (André Gatti) volta para casa após se separar da esposa, mas não consegue dialogar com o velho pai. Descobre em rolos antigos de Super-8 algumas passagens peculiares do cotidiano filmadas pelo próprio irmão, antes de sumir do mapa para sempre. Embora busque alternativas de conversas, não há reciprocidade nos diálogos, tendo em vista que o idoso não quer falar sobre o triste episódio que o marca há 30 anos, deixando-o com uma fisionomia em frangalhos, num tom melancólico e desesperador para quem aguarda um retorno impossível.

Wahrmann usa o artifício da narrativa pontilhada por flashbacks, um recurso usual e às vezes carregado de lugar-comum, embora tente fazer como um combustível para aquecer a história, o seguimento utilizado fraqueja e cai na mesmice, quase detonando sua obra. Faz dos personagens criaturas que se confundem com os atores em cena, mesclando realidade com ficção, obtém razoável resultado ao aproximar as características psicológicas e físicas dos intérpretes, embora adquira um tom sombrio resultante dos destroços da existência humana pelo tempo e pelas contingências políticas que afetaram o núcleo familiar de forma arrasadora e implacável.

Há uma referência direta do cineasta ao simpático movimento estético Dogma 95, criado por Thomas Vinterberg em parceria Lars von Trier, em março de 1995, em Copenhague, num manifesto cinematográfico internacional, com a publicação de dez regras de ética e valores, conhecidos como voto de castidade, tendo como o objetivo principal o resgate de um cinema mais realista e menos comercial. Foi a mais inventiva escola, depois da celebrizada Nouvelle Vague. Porém, o longa brasileiro peca na forma simples de uma câmera estática captando imagens, com excessos de planos-sequência longos sem um objetivo claro definido, exceto a dor ou a espera linear. Nisto o diretor malaio radicado na China Tsai Ming Lang dá uma aula no recente drama Cães Errantes (2013), como no prólogo e no epílogo há cenas em quadro estático, planos longos, escassos diálogos, como se vê na mãe ao se pentear observa o casal de filhos dormindo languidamente. Wahrmann se optasse por cortes e elipses, não causaria excessos desnecessários em várias cenas dos 72 minutos que se arrastam.

O filme foi realizado com recursos minguados para uma qualidade de imagens distantes e desbotadas que prejudicam o desenrolar da história e cortam o clímax. Mas há uma trilha sonora que salva em muitas situações, não deixando cair totalmente no marasmo, o que seria uma tendência para os diálogos e o cenário predominante no interior da casa antiga de mofos abundantes decorrentes do tempo, na periferia pobre estigmatizada dos paulistanos. Há similitude com A Memória que me Contam (2012), de Lúcia Murat, outro filme sobre a reflexão dos anos de chumbo pós-1964, abordando as utopias do passado de derrotas pessoais e relações doloridas entre familiares e o ciclo de amigos; bem como se aproxima do drama Hoje (2011), de Tata Amaral e seu olhar na sexualidade como uma forma agressiva para se defender do passado que atormenta o futuro; mas bem abaixo do excelente Elena (2012), de Petra Costa, que não deixa escapar a política brasileira nos anos 80 e sua geração que abandonou o país na ânsia da liberdade à procura de novas oportunidades.

Avanti Popolo é uma obra autoral com o propósito claro de mergulhar num ensaio cinematográfico, como um resgate da memória de tempos difíceis e aterradores dos desaparecidos de uma nação em crise política e de um governo sob o regime de exceção, deixa muitas lacunas e perdas de pessoas próximas, que aos poucos vai sendo lembrado e retirado dos estertores do esquecimento de seus arquivos implacáveis. É uma tênue tentativa de cicatrizar traumas e feridas abertas pelos estragos causados na coletividade, embora seja ainda por uma narrativa irregular numa construção genérica e de pouca profundidade, mas de uma significativa contribuição histórica ao cinema sobre os efeitos nefastos de um período antidemocrático, diante do estado de direito extirpado dos cidadãos. Faltou força para levar o tema até o fim, ao buscar soluções sobre um passado de fantasmas que se movem, mas não avança com solidez por um foco profundo de uma sociedade que sofreu os horrores e atrocidades do autoritarismo.

terça-feira, 17 de junho de 2014

O Palácio Francês

















Bastidores do Poder

O septuagenário diretor francês Bertrand Tavernier está de volta com um roteiro direcionado para uma narrativa para o espetáculo do velho e bom cinema, sem se afastar da corrosiva crítica aos políticos de discursos vazios e estereotipados para atingir seus eleitores e estar sempre de bem com os países amigos. Uma comédia escrachada com viés na política, assim é O Palácio Francês, que faz uma abordagem pontual e com um molho bem amargo, nada agridoce nos corredores do poder palaciano da França. O cineasta estava esquecido, após seu último longa que andou no circuito comercial As Margens de Um Crime (2009). É dele também o badalado Por Volta da Meia-Noite (1986); o sempre lembrado thriller policial A Isca (1995); o inesquecível e comovente, talvez sua obra plástica de maior esplendor Um Sonho de Domingo (1984).

O enredo é inspirado na novela gráfica Quai d’Orsay, escrita por Antonin Baudry, com pseudônimo de Abel Lanzac, baseado nas experiências pessoais de um ex-diplomata que escrevia discursos para o ministro Dominique de Villepin. Na trama fictícia a história é realçada no personagem Arthur Vlaminck (Raphaël Personnaz), um jovem recém-formado na Escola Nacional de Administração, chamado para trabalhar no Ministério das Relações Exteriores e está a serviço do excêntrico e temperamental ministro Alexandre Taillard (Thierry Lhermitte). Ao ter a incumbência árdua de elaborar os discursos no Ministério, acaba por ficar enroscado em meio a golpes políticos e vaidades pessoais que irão atrapalhar sua vida pessoal, especialmente com a linda namorada (Julie Gayet), o que torna sua relação extremamente difícil e complicada. Mas tem a compreensão do sereno, sensato e compenetrado chefe de gabinete (Niels Arestrup- de excelente atuação, rendendo-lhe o César de melhor ator coadjuvante), sempre com uma palavra confortável e animadora, não deixando que o mundo incendiasse pelas tropelias do indeciso Taillard.

As loucuras palacianas em meio a uma burocracia são questionadas por Tavernier, que força situações inusitadas para demonstrar com lucidez o gabinete ministerial como se fosse um hospício de insanos entre os assessores e o ministro tresloucado. Um panorama dos dissabores do poder, como intrigas e fofocas, afinal os bastidores do poder estão cheios de armadilhas, onde a resistência fraqueja e os valores são outros entre as mesquinharias e o ego inflado do todo poderoso mandatário na grande sacada da comédia, diante de um roteiro abrangente, sendo contada uma inusitada e incrível história sobre o histrionismo. Há uma similitude temática com Os Sabores do Palácio (2012), de Christian Vincent.

O filme se desenrola numa sequência de planos e contraplanos bem apanhados pela câmera, pois além dos acontecimentos no palácio pelas atividades inerentes, mescla-se com a ironia de Tavernier sobre o intelectualismo satirizado literalmente pelo chefe de gabinete e o assessor, numa clara alusão aos exageros do ministro que cita Heráclito quando se vê em apuros. Passa para o espectador as incongruências daquele ambiente poluído e nefasto, que se distancia cada vez mais da sensibilidade humana, ou seja, as trapalhadas são fisgadas com sutileza e uma demonstração de sinceridade autoral. De um lado há uma dose de reconhecimento de pureza do recém-formado contrapondo com o vazio e o distanciamento do governo aos seus súditos que viceja e polvilha como erva daninha. É um claro contraste com a solidariedade humanística que se perde pelos corredores infestados da sujeira e dos conchavos políticos da pompa reinante palaciana e desmesurada de rituais desgastantes que sufocam e tiram o ar puro, mais para um estranho no ninho dentro de uma retórica de opulência, como também foi bem retratado em Tudo Pelo Poder (2011), dirigido por George Clooney.

O Palácio Francês analisa e questiona os valores e a ética profissional, traduzindo com dignidade o protagonista no meio do turbilhão do processo que se desenvolve, sem parecer entender a mecânica do jogo. Tudo soa falso e vazio naquela engrenagem azeitada, mas aos poucos vai virando uma contraditória verdade no discurso empolgado, na busca obstinada pela manutenção sem rupturas do poder. São deflagrados ardis inescrupulosos, tornando forte a consistência dos personagens envolvidos na tramoia declarada sem concessões, reverte e muda as expectativas que poderiam se encaminhar. A apreciável comédia não é só uma reflexão ou crítica aos bastidores do poder, mas o paradoxo da mentira para fazer valer o ideal almejado. Embora pareça óbvio, cumpre seu papel objetivo de apresentar as falcatruas das abjetas maquinações no jogo da politicagem pela visão doentia dos homens públicos pelo poder e seus envolvimentos com situações escabrosas, dignas de maracutaias da melhor estirpe.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Filha Distante

















A Reaproximação

O cinema argentino tem uma característica muito peculiar nas suas abordagens: sutileza e sensibilidade estão presentes nos temas discutidos. Em muitas vezes o cenário fica em segundo plano, dando-se mais importância para o roteiro e a sua eficácia como o objetivo a ser atingido. Diretores como Pablo Trapero com Família Rodante (2004), Nascido e Criado (2006), Leonera (2008) e Abutres (2010); Pablo José Meza de A Velha dos Fundos (2011); Daniel Burman com O Abraço Partido (2004) e As Leis de Família (2006); Lucrécia Martel com a obra-prima O Pântano (2001); Gustavo Taretto com o cultuado Medianeras (2011); Marcelo Piñeyro com o belíssimo Kamchatka (2002); Mariano Cohn e Gastón Duprat no instigante O Homem ao Lado (2009); Paula Hernández em Chuva (2008) aborda o encontro casual para a descoberta da ampliação dos valores, com a constatação das revelações das perdas e buscas. E ainda outros tantos cineastas comprometidos com o cotidiano e com as coisas simples e belas da vida, embora invadidas ou perturbadas por problemas familiares.

Carlos Sorín é outro expoente destes cineastas argentinos, que faz de uma pequena história uma reflexão magnífica sobre a existência, trazendo para a abordagem a morte, a velhice e o sentido da vida, sempre com um elegante toque de classe. Um confesso admirador de Ingmar Bergman, bem como de Jean-Luc Godard, François Truffaut e Joseph Losey. Anteriormente já havia dado esta importância para o roteiro e as conclusões filosóficas de vida e relações humanas tangenciadas pelo clima hostil ou pela solidariedade, como visto nas obras Histórias Mínimas (2002), O Cão (2004), O Desaparecimento do Gato (2011) e A Janela (2008), sendo que nesta fica evidente a influência do cineasta sueco, ao retratar a solidão, tempo e ocaso vivenciados pelo protagonista solitário à espera do filho que mora no exterior há mais de 40 anos. Nos derradeiros momentos da vida do ancião, este se prepara para o encontro derradeiro, deixando evidente a amargura e a dor de seus personagens bergmanianos.

O último filme de Sorín, Filha Distante, batizado em alguns países com o nome comercial de Dias de Pesca, é uma produção de 2012, que integrou a 9ª edição do Festival Internacional de Cinema do RS, numa iniciativa da produtora Panda Filmes, organizadora desta mostra desde 2004, antes levava o nome de Festival de Verão do RS de Cinema Internacional. O drama familiar argentino aborda Marco Tucci (Alejandro Awada), um típico turista, de 52 anos, ex-alcoólatra, que decide pescar tubarões em Puerto Deseado, na hospitaleira Patagônia com seus mistérios de forte magnetismo. O protagonista tem em mente que chegou o momento de mudar os caminhos de sua trajetória existencial, tendo como objetivo principal restabelecer os vínculos afetivos deteriorados com a filha Ana (Victoria Almeida), moradora naquela região, mas o pai não sabe o endereço e para isto terá de encontrá-la com muito esforço naquele lugar sem telefone e de rara comunicação.

Um filme sensível e de boa dose de emoção na luta incessante e incalculável para reparar um passado, reconstruir um reconfortante presente e estabelecer um definitivo elo familiar delineado pela ausência paterna rompida no cotidiano de dias entediantes e repetitivos de Marco. É a busca do sentido da existência marcado pelas perdas profundas oriundas do abandono da esposa e da filha, onde fissuras indeléveis ficaram como herança de erros de rota mal calculados pela inconsequência da trivialidade, que agora está mais difícil de ser reconectada. A mesma inabilidade para pescar com o morinete e o enjoo sofrido no mar soam como metáfora para lidar no microcosmo familiar que deixaram fendas latentes com feridas abertas para serem cicatrizadas, diante de questões mal resolvidas. O hobby para fisgar tubarões é uma situação criada para tentar soluções para sua saúde abalada e a permanência no hospital, onde o falso turismo dá espaço para a reaproximação com a filha e sua indiferença. O afeto esbarra e se escancara na distância entre eles. Há um espaço comovente de amor a ser preenchido, que ora está vazio e incompleto.

Filha Distante retrata cenas comovedoras, como da espera melancólica no restaurante e a tentativa da solidificação da ruptura, buscando sempre o equilíbrio de um roteiro enxuto, com um elenco harmonioso numa excelente estrutura dos personagens e uma elaboração criativa exemplar de cada um deles, através de uma fotografia radiante com imagens que falam e superam os diálogos. Um drama agridoce e suave, que vai aos poucos reaproximando pelos encontros fortuitos. O norte da solução é dado em doses homeopáticas ao espectador para descobrir o enigma proposto, o que acontecerá somente no epílogo. Uma película singular pela simplicidade, sem grandes pirotecnias, deixa um ótimo legado de conteúdo e complexidade humana.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

La Playa


















Os Irmãos

O cinema da América do Sul cresceu muito nos últimos anos, tendo na Argentina seu polo principal como um dos melhores do mundo. É seguido de perto pelo Brasil, Uruguai, Chile e o Peru pela ordem de importância. Já a Colômbia surge como uma boa alternativa desde Maria Cheia de Graça (2004), de Joshua Marston, depois com o sensível e interessante Crônica do Fim do Mundo (2012), bem dirigido pelo estreante Mauricio Cuervo, e agora está presente novamente com La Playa, num razoável trabalho do estreante cineasta promissor Juan Andrés Arango Garcia, embora com um orçamento baixo, uma câmera na mão e pouco tempo para gravações, como manda o típico cinema independente, demonstra potencial para render melhores obras no futuro.

Também com poucos recursos, mas com resultados bem melhores, Mariana Rondón realizou o longa Pelo Malo (2013), numa abordagem fiel de um ambiente familiar degradado pela falta de opção de trabalho, visto com muita sutileza e reflexão sobre um momento delicado que vive os venezuelanos; assim como no recente e ótimo suspense 7 Caixas (2012), dos estreantes Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori, retrata a pobreza com dignidade, sem proselitismo e nem demagogia barata, colocam o lado humano de uma plêiade de personagens de carne e osso, com suas fraquezas e vicissitudes afloradas num contexto minado pelos tempos, a dupla deixa o Paraguai em evidência, como desbravadores de um mercado apagado e sem qualquer tradição de uma indústria completamente inexplorada, que registra apenas 25 obras produzidas em toda sua história.

Apesar das dificuldades inerentes foi escolhido para representar os colombianos na disputa por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. La Playa tem muita similitude estética com os brasileiros Querô (2007), de Carlos Cortez e com o festejado Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund, apesar do roteiro ser menos contundente e com sequências longas, excessos de contraplanos, há uma quebra do ritmo pela trêmula câmera filmando com ângulos sempre de trás, dando menos impacto e descontinuidade de clímax, o que faz tornar-se monótono por várias cenas de perseguição ou busca de um ponto obscuro e desnecessário. Perde-se em muito a sincronia de uma boa história que poderia ser desfiada com uma elaboração mais criativa e menos burocrática. O discurso fica pasteurizado com soluções simplórias e pouca objetivas, deixa de reforçar com vigor os valores da luta pela sobrevivência.

O drama familiar está centrado na figura de Tomás (Luis Carlos Guevara), um jovem afro-colombiano que fugiu de sua aldeia, no litoral do país, acaba perdido na bonita, mas nada acolhedora para ele cidade de Bogotá, diante do conservadorismo da predominante sociedade branca. Sua saga começa com o irmão mais novo Jairo (Andrés Murillo), um viciado que some de casa em busca da liberdade para se drogar. O protagonista pede ajuda ao irmão mais velho Chaco (Jamés Solís) na jornada inglória do reencontro pelas ruas desta metrópole. Mergulha numa luta para abrir seu espaço, por uma aventura traçada para encontrar o caminho de uma perspectiva de vida nesta fria cidade repleta de dúvidas e hostilidades para o futuro dos forasteiros.

Garcia retrata um painel nebuloso para os irmãos e suas contrariedades no seio familiar, em que Tomás rebela-se com a passividade da mãe e abandona a casa, diante da contrariedade do padrasto que não aceita a presença do irmão viciado. Fica ao lado de Jairo, como se tentasse protegê-lo do mundo inóspito que se desenha. O que era para ser uma parceria entre os dois, vira uma ruptura, diante da tendência em não mudar do irmão caçula que desaparece misteriosamente pelo medo dos traficantes, com quem tem uma dívida quase que impagável. Mesmo com o apoio quase que logístico do malandro e egoísta Chaco, dá a impressão que não anda o roteiro e trunca no desenrolar da trama, por falta de uma consistência na elaboração inadequada da trajetória do enredo. Um dos personagens está atolado em dívidas e no vício; o outro quer salvá-lo, mas sem saber o que quer realmente, deixa tudo muito vago num espaço vazio; já o terceiro sonha com o retorno às praias do mar, de onde tiveram que fugir há alguns anos, tendo em vista os conflitos das guerrilhas armadas naquela região.

La Playa é uma boa proposta sobre os combalidos vínculos familiares orquestrada pela figura materna, sem voz ativa e de pouca eficiência no contexto humano naquele cenário de uma cidade violenta. Fica evidente que os irmãos estão tomando cada um suas decisões, equivocadas ou não, o protagonista tem pouco a contribuir com seu comovente esforço. Tem a convicção de querer salvá-los, mas sozinho e sem apoio é mais difícil. Ao tomar um rumo próprio protetivo, verá que está dentro de uma selva de pedra implacável. Porém, não resta outra alternativa, senão ter que trabalhar e opta em ser cabeleireiro. Dedica-se nos estilos práticos dos suburbanos rapazes afrodescendentes, com desenhos imaginativos e diferenciados na arte feita na cabeça e voltada para as conquistas do cotidiano e as aspirações da difícil realidade financeira das classes em geral pelo desemprego. O filme é um retrato sombrio de um país em ebulição, mesmo que não empolgue traz uma contribuição interessante para o cinema latino.