quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Netto e o Domador de Cavalos



Netto e as Lendas

Beto Souza e Tabajara Ruas tiveram muito êxito e esbanjaram competência com o longa-metragem Netto Perde Sua Alma (2001), um épico sobre a vida de um dos heróis da Revolução Farroupilha, Antônio de Souza Netto (1803-1866), com toda sua grandiosidade e força narrativa rodado na pampa gaúcho, retratando os aspectos intrínsecos e extrínsecos e as suas motivações que levaram o povo rio-grandense deflagrar aquela mitológica revolução.

Agora Tabajara Ruas escreveu e dirigiu sozinho este segundo filme Netto e o Domador de Cavalos, sobre a saga do velho general. No primeiro houve a sustentação do livro de Ruas, que desta vez preferiu escrever um roteiro objetivando somente o longa. Logo virá o terceiro filme, provavelmente no próximo ano, para completar a trilogia da saga do general Netto, nascido em Rio Grande (RS) e morto em Corrientes (Argentina), teve sua trajetória de lutas e guerras entre o Rio Grande do Sul, Uruguai e o Paraguai.

Espera-se um melhor resultado, com menos ufanismo de uma retórica superada, explorando uma crítica mais contudente e focando fatos de uma trajetória obscura, menos retrógada e confusa, como foi o roteiro e a estética neste seu segundo episódio, que sucumbiu diante do desastre da mistura de fatos reais com uma suposta ficção, fundindo com lendas campeiras contadas em galpões numa roda de chimarrão, que restou do folclore do tempo da escravidão no Brasil.

Em Netto e o Domador de Cavalos teve a simbiose da lenda do Negrinho do Pastoreio com a Guerra dos Farrapos, tendo o general Netto (Werner Schünemann), como se fosse um velho mocinho dos memoráveis faroestes americanos perseguidor dos peles vermelhas. Porém, aqui, ele recruta os negros lanceiros tão polemizados pela história da Revolução Farroupilha, virando os mais novos heróis de um tempo outrora belicista, ajudando a libertar o sargento índio Torres (Tarcísio Filho), que é o mesmo que conta a história lendária na primeira pessoa, sendo ele um dos remanescentes de sua tribo em extinção.

O elenco é bom, mas desperdiçado e jogado fora impiedosamente em seus papéis pouco consistentes, como Zé Victor Castiel, Fernanda Carvalho Leite, Nico Nicolaiewski, Miguel Ramos, Nélson Diniz, Zé Adão Barbosa, entre tantos outros mal aproveitados. Elogios para a magnífica fotografia de Ivo Czamanski, desfrutando a beleza de um pôr do sol enfeitado por aves em voos simétricos migratórios, à procura de seus novos horizontes; bem como para a bela trilha sonora criada por Vitor Ramil.

Não foi feliz Ruas no seu roteiro confuso e indeciso, permeando a lenda com a história, num encontro lamentável e insatisfatório. Mas o pior do longa foi a péssima inspiração em A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson, quando torturou Jesus ao extremo e avacalhou com as elipses cinematográficas necessárias, destruindo o bom senso e atingindo comercialmente os espectadores com rituais prolongados de agressões físicas, além dos pregos na cruz, fazendo o sangue esvair-se sem precedentes. Tudo isso se transfere para o a película de Ruas, que exacerbou na violência gratuita de intermináveis sessões de chicotadas em séries de 30 e 100 respectivamente, sendo contadas à exaustão, levando a náuseas premeditadas dos moribundos e indefesos espectadores, numa banalização vista poucas vezes no cinema.

O roteiro não tem ideais ou causas da revolução gaúcha, esquecidos voluntariamente, sem sequer mencionar ou lembrar no transcorrer do filme. O objetivo é a vingança dos negros contra os brancos poderosos, num maniqueísmo inverso e desproporcional, numa inversão de valores, levando aos píncaros da glória heroica justamente aqueles que foram as maiores vítimas dos massacres da guerra que durou 10 anos.

O diretor estava mais preocupado em mostrar uma vitória fictícia das minorias discriminadas no processo que gerou a batalha campal, numa euforia incompreensível diante de uma realidade fática e histórica contrária daqueles tempos de distorções e enfrentamentos dos republicanos com os revolucionários farroupilhas.

O filme busca uma saída mais pueril do que eloquente, diante das tolices apresentadas como verdades definitivas. Leva os espectadores chicoteados pelo excesso banalizante, para um final induzindo a uma justiça pelas próprias mãos, deixando claramente nas entrelinhas um ranço de moralismo, afastando-se de uma crítica mais profunda e reflexiva, deixando para quem sabe no próximo longa que encerrará a trilogia. Fica toda a expectativa para uma recuperação da lógica e da veracidade dos tempos de uma época conflitada pelas graves crises econômicas do centro do país com reflexos no Sul no século XIX.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Seleção de Filmes Bourbon (Minha Terra, África)













Minha Terra, África (White Material)

A diretora francesa Claire Denis que brilhou com Chocolate (1988) - não confundir com a comédia de Lasse Hallström (2000), com Juliette Binoche e Johnny Deep- e o perturbador e instigante Desejo Insaciável (2001), drama sobre a carne e seus impulsos, lança White Material, traduzido para o português Minha Terra, África, seu último trabalho, ainda sem tradução e com previsão para estreia no Brasil no final do ano, foi apresentado no último Festival de Cannes, com discreta recepção de público e crítica, propiciou assisti-lo no minifestival da Seleção de Filmes Bourbon, em sessões inéditas.

A película foca sua trama em Maria (Isabelle Hupert- sempre impecável e com irrepreensível atuação), uma fazendeira francesa branca que planta café num certo país da África em convulsão social. O longa francês tenta refletir os problemas sociais e as convulsões africanas, demonstrando os conflitos tribais e as disputas acirradas pelo poder nas conturbadas camadas de um povo em litígio com problemas raciais extremados, tendo o líder dos rebeldes se refugiado na casa da proprietária e recém-separada do marido André (Christopher Lambert).

Maria está na boca do vulcão com todos suas manifestas e dificuldades existenciais, vendo o sofrimento do filho, uma pessoa frágil e conflitada com o mundo externo, sem objetivo de vida definido, vivendo sistematicamente entre a mãe, o pai e o outro irmão paterno, fruto do novo relacionamento de André com uma mulher inconstante. A diretora lança mão de uma forma convencional ao mostrar os pedágios cobrados pelos rebeldes e acuados pelas milícias oficiais e paramilitares. Há uma efervescência brutal na busca pelo poder, com degolas, execuções sumárias e crueldades mostradas com certo requinte de perversidade.

Claire Denis mostra os negros recrutados para trabalharem na colheita do café, na fazenda de Maria, sob imensa tensão na região, mas não consegue se livrar de cenas apelativas e reflexões pouco imaginativas, sem maior densidade, fruto de um roteiro que banaliza a violência e tira o foco das reivindicações e dos dramas individuais e coletivosMinha Terra, África não chega a evoluir e a profundidade aguardada acaba por diluir-se, por falta de uma melhor e capaz firmeza na direção, embora com uma fotografia magnífica e com atuações razoáveis de um elenco que desponta com Isabelle Hupert em destaque, o longa naufraga e implode, num final melancólico sem inspiração.

A cineasta bem que poderia ser mais crítica, se deixasse o longa com menos perversão e focasse o resultado na luta inglória de um povo que busca um país de melhor qualidade, mas a plataforma reivindicatória é pueril e se dispersa na fragilidade e pouca lucidez da diretora que empolgou com Chocolate e Desejo Insaciável, mas agora dá mostras de falta de criatividade, ficando na mesmice e no trivial num filme comum.