quarta-feira, 23 de abril de 2025

Oeste Outra Vez

 

Desconstrução Machista

O cineasta Erico Rassi tem grandes méritos para o seu segundo longa-metragem, Oeste Outra Vez, o grande vencedor do prêmio de Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Rodger Rogério, 81 anos) e Direção de Fotografia para André Carvalheira, no último Festival de Gramado. Buscou a desconstrução do machismo ao esbanjar sobriedade, formalismo e firmeza na inspiração do conto Duelo, de Guimarães Rosa, como um resgate do antigo cangaço, mesclando com os clássicos do mestre John Ford, entre os quais estão Rastros de Ódio (1956) e No Tempo das Diligências (1939). A transformação dos personagens fortes e mitológicos de John Wayne para um mundo contemporâneo de homens fragilizados, pobres de espírito e da força física decadente. Já no trabalho anterior, Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta (2017), com Nelson Xavier no papel de um matador profissional aposentado que tenta retomar as glórias do passado. Utilizava para narrar o relato de um matador de aluguel incapaz de se aposentar, mas que volta à ativa. Retroage em suas referências estéticas ao buscar os planos abertos magníficos, tornando seus anti-heróis ainda menores, perdidos entre a luz e a sombra no meio que estão inseridos, como fizera Sergio Leone em sua trilogia Por Um Punhado de Dólares (1964), Por uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens em Conflitos (1966), todos interpretados por Clint Eastwood.

Agora, no seu último longa-metragem premiado, o sertão de Goiás serve de cenário novamente ao ser ambientado na Chapada dos Veadeiros; o filme anterior foi rodado no município de Anápolis. Um retrato melancólico de homens brutos aparentemente, mas problemáticos no contexto emocional na sintonia com a razão. Por isto, as mulheres que amam loucamente acabam abandonando seus parceiros constantemente. A amargura se somatiza com a solidão e resulta em uma grande tristeza. Não aguentam as lidas da casa, deixando louças sujas empilhadas nas pias, lixos amontoados pelos cantos, banheiros imundos, iluminação precária, casebres de tijolos à vista caindo por falta de manutenção, maltrapilhos com aspectos fétidos, num cenário de aridez no qual convivem, acabam se revoltando, e partem para brigas violentas entre eles. Demonstram que sequer sabem se cuidar. A história é contada com bons artifícios conhecidos no meio daquele universo masculino tosco. O realizador, sem abusar de perseguições recorrentes em obras menores, opta pela ausência de tiroteios, mas ironiza o mito do macho alfa viril na disputa com pistolas cuspindo balas sem direção.

A trama mostra dois homens brigando pela mesma mulher, Luiza (Tuanny Araújo), que passa rapidamente em cena como um meteoro fruto da paixão. Totó (Ângelo Antônio, em excelente atuação) e Durval (Babu Santana), dois personagens patéticos inseridos num faroeste típico brasileiro no escaldante sertão. Cada um em seu carro se enfrentam em poeirentas estradas de chão batido. No roteiro dinâmico, eles vivem assim, mesmo que ela se recuse a ficar com os pretendentes. Os diálogos não passam de formalidades, tendo em vista que pretendem resolver com tiros por encomenda. Jerominho (Rodger Rogério) é um lendário ex-pistoleiro, que gosta de ser chamado de capanga, acaba sendo contratado por Totó para eliminar o rival. Durval dá o troco ao contratar dois matadores de aluguel com o mesmo intuito: Antonio (Daniel Porpino) e o colega Domingos (Adanilo Reis). Uma dupla educada, com métodos próprios, aparentemente éticos em suas conversas reservadas. Trocam confidências e são sinceros entre eles, mas não revelam tudo. Uma antiga paixão atormenta um deles, que quer vingança contra o companheiro de sua ex-mulher, até que há uma decisão pouco civilizada, mas bem típica dos valentões com uma arma na mão.

A perseguição mantém um jogo de burlar uns aos outros e beira ao tragicômico, buscando esconderijos, após tiros fracassados de antagonistas que correm por todos os lados, numa clara e evidente vulnerabilidade dos machões. Totó e seu comparsa procuram refúgio na tapera de Ermitão (Antonio Pitanga), outro homem amargurado pela perda da companheira, que vive no silêncio de seus dias de imensa solidão, mas agora terá, pelo menos, a companhia do inconformado sobrinho angustiado. O diretor retrata com profundidade rara as sutilezas e simbologias por trás de personagens psicologicamente debilitados emocionalmente, mas com as desavenças sendo arquitetada no contexto diário de aspereza, desde que abandonados. São gentis e educados por vezes, entre eles, como a frase recorrente de “não, senhor” para atenuar os arroubos de hostilidade pontuados no enredo. Os resquícios de um sistema machista arcaico que ainda segue ditando para a vingança fria e sombria como contingência de ceifar vidas. Embora a narrativa defina as mulheres como coadjuvantes, pelo contrário, elas estão sempre no protagonismo para os homens atordoados pelas dores do ressentimento no imenso vazio diante da ausência feminina.

Há na trilha sonora cativante que sintetiza os amores perdidos com Eu Também Sou Sentimental, na potente voz de Nelson Ned sendo executada com eficiência, como uma mola mestra condutora que vai ditando o clímax das cenas. Os cenários são grandiosos e caracterizadores do gênero, onde os cavalos, barcos e carros estão sincronizados pelas frondosas árvores, montanhas, rios, ranchos, botequins, e por vezes revelador de um novo dia, magistralmente captados nas lentes do talentoso Carvalheira. Cada detalhe, movimento da câmera, luz, fotografia e o figurino estão harmonicamente distribuídos com primazia e colocados em seus lugares exatos, pontuais e com fidelidade. Segue o estilo estético dos grandes clássicos, embora com as limitações e características inerentes por não serem hollywoodianos, tais como: Os Imperdoáveis (1992), de e com Clint Eastwood; Rio Vermelho (1948), de Howard Hawks e Arthur Rosson; Meu Ódio Será Sua Herança (1969), de Sam Peckinpah; Os Brutos Também Amam (1953), de George Stevens; e mais recentemente Bravura Indômita (2010), dos irmãos Ethan e Joel Coen; Relatos do Mundo (2020), de Paul Greengrass e Ataque dos Cães (2021), de Jane Campion.

O epílogo é revelador, quando os homens estão reunidos no botequim bebendo para afogar as mágoas. Uns dançam como zumbis tontos, outros jogam bilhar para vencer e esquecer, numa catarse de sentimentos oriundos dos grandes amores perdidos, naquele ambiente melancólico. Deixam transparecer uma consciência de seus equívocos tolos de uma masculinidade rústica e demodê. Tardia ou não, parece haver algum lampejo de lucidez, mesmo estando solitários e distantes de um mundo mais civilizado e luminar. Servirá como uma espécie de aviso de que o perigo está rondando diante das iminentes consequências. O silêncio persistente que fascina torna-se uma notável fantasia de uma falsa alegria de gestos e olhares que falam. Progressivamente revelam as carências decorrentes daquelas aparências contraditórias fortemente contextualizado pelo conflito do mitológico macho dominador com sua aludida presa fêmea. Rassi traz à baila e coloca em xeque a masculinidade tóxica para mirar seu foco nas fraquezas retumbantes das relações e os seus vínculos afetivos sendo demolidos com delicadeza, através de pequenos detalhes, diálogos e simbolismos, no qual os desejos decorrentes de instintos animalescos são sufocados no desfecho com emoção e digno deste fabuloso faroeste brasileiro redentor.

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