quarta-feira, 12 de junho de 2024

Cinema Victoria Fecha Novamente

 

Já não bastavam as vidas humanas ceifadas e as astronômicas perdas materiais em maio decorrentes da maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul, temos outra triste notícia para os cinéfilos: fechou outra vez o charmoso Cinema Victoria de Porto Alegre. Estava ali, bem localizado no Centro Histórico, com entrada pela Av. Borges de Medeiros e pela Travessa Acilino de Carvalho (Rua 24 horas). Desaparece do cenário cinematográfico uma lenda do patrimônio da arte, um dos últimos cinemas de rua que foi empurrado nos últimos tempos para dentro de uma galeria. Restam nas calçadas somente a Cinemateca Capitólio, as salas da Casa de Cultura Mário Quintana e o CineBancários.

A trajetória começou com o cinema originalmente se chamando Vera Cruz, tendo sua primeira sessão em 04 de setembro de 1940, com a exibição do longa-metragem A Mulher Faz o Homem (1939), de Frank Capra. No início da década de 1950, fechou pela primeira vez, mas voltou a reabrir em 12 de setembro de 1953, com o nome de Victoria, exibindo A Dupla do Barulho (1953), de Carlos Manga, com Grande Otelo e Oscarito. Fechou novamente em 1998, reabriu em maio de 1999, vindo a fechar outra vez em 2018. Reabriu em julho de 2023, com o badalado filme Barbie, de Greta Gerwig, com Margot Robbie, Ryan Gosling e America Ferrera, e fechou, agora, em maio de 2024.

Assisti ali o meu primeiro filme na Capital gaúcha, o longa-metragem Um Certo Capitão Rodrigo (1971), de Anselmo Duarte, com Francisco Di Franco, Elza Prado e Pepita Rodrigues. Fui levado pela primeira vez naquele suntuoso cinema, com uma entrada principal ao estilo de um teatro, todo atapetado em vermelho para um pisar macio, dois andares de cadeiras de madeiras chiques para se apreciar as películas. Havia uma sala de espera repleta de sofás e poltronas de couro, portarias com funcionários engravatados e nas laterais bilheterias com educadas e belas moças, de cabelos presos e um sorriso carinhoso nos lábios pintados de um batom luzidio.

Existia uma bomboniere com as insuperáveis balas azedinhas e as imperdíveis balas de goma, barras de chocolate ao melhor estilo da Neugebauer. Pipoca não era recomendável, não ficava de bom tom, lembrava pessoas ruminando. Às vezes, os filmes paravam de repente para serem trocados os rolos, um bom momento para uma troca de beijos discretos e um tocar de mãos no escurinho da sala. Um aprazível local de referência para esperar a namorada e assistir em cinemascope naquele telão Tubarão (1975), de Steven Spielberg, E O Vento Levou (1939), de Victor Fleming, Os Dez Mandamentos (1956), de Cecil B. DeMille e o badalado O Exorcista (1973), de William Friedkin.

No Cine Victoria levei meus filhos para assistir comédias, suspense, dramas e quase sempre os infantis da Walt Disney, entre os quais Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Cinderela (1950) A Bela Adormecida (1959), além de filmes de piratas, ilhas de tesouros, entre outros. Fica uma ponta de melancolia pelo fechamento e um ciclo que se encerra para um dos últimos cinemas de calçada, ou quase, pois já estava encolhido dentro de uma galeria. Agora, sobrou ali, apenas um espaço vazio que logo poderá ser locado por uma agência bancária, ou um restaurante, ou uma igreja pentecostal, ou ainda, quem sabe uma agência lotérica. Tudo ficou para trás, repleto de reminiscências das lembranças de um passado, na qual a arte e a cultura sucumbiram diante de uma economia combalida e quase sempre em crise. A dor da derrota novamente se faz presente no sombrio e desesperançado futuro do cinema. Triste, mas realista, diante da melancolia em consonância com o saudosismo.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

A sala nunca obteve o seu público desde que reabriu, sendo diferente da Cinemateca Capitólio que está sempre cheia, mesmo quando é um filme já antigo. Eu acho que deveriam ter diversificado a programação ao invés de somente lançarem por lá o obvio.