quarta-feira, 29 de setembro de 2021

De Volta Para Casa

 

Agonia da Finitude

Wayne Wang é um veterano diretor nascido em Hong Kong, mas formado nos EUA, tendo sido o primeiro cineasta asiático-americano a conseguir projeção na cinematografia norte-americana, com sua estreia na direção em O Clube da Felicidade e da Sorte (1993). Depois vieram Sem Fôlego e Cortina de Fumaça, ambos de 1995, realizações que o projetaram como um pioneiro importante no cenário independente dos anos 1980. Seu interesse permanente sempre foi por ideias sobre os deslocamentos e a assimilação do imigrante em novos horizontes com temas mais recorrentes nas ficções americanas, servindo de subtema em faroestes a dramas familiares, que irão lhe dar subsídios para sua criação. Faz filmes baseados na observação, mas é a vida, com sua simplicidade e complexidade, que está sendo colocada na tela e se diz um admirador do mestre japonês Yasujiro Ozu. Chega agora ao seu décimo quarto longa-metragem, no admirável De Volta Para Casa, através de um roteiro adaptado do ensaio pessoal do escritor coreano-americano Lee Chang-Rae para a revista The New Yorker, que depois foi coescrito em parceria pela dupla.

A trama gira em torno da saga de uma mãe (Jackie Chung), famosa atriz de teatro que está nos últimos estágios de um agressivo câncer de estômago com metástase, e seu filho, Chang-Rae (Justin Chon), um escritor de algum sucesso, que deixa emprego e namorada para trás, retornando dos EUA para casa com o intuito de cuidar da genitora. O filme tem um aceitável ponto de partida para tratar do tema da morte iminente e da experiência de assimilação que retrata esse desencontro na vida entre o filho americano e a mãe coreana. Eles dividirão o mesmo espaço, falam o mínimo para valorizar o indispensável silêncio, enquanto que a finitude pela perda não bate à porta. O rapaz tem como rotina começar o dia cuidando sozinho da enferma, pois o pai está sempre ausente em suas atividades profissionais e fica implícita sua traição com outra mulher; já a irmã retorna depois de algum tempo em que permaneceu fora para tentar convencer os familiares sobre o uso de um tratamento alternativo de imunoterapia, logo após a mãe ter comunicado que desistiu da medicação tradicional para morrer sem sofrimento.

As habilidades culinárias são desenvolvidas durante o desenrolar do enredo, sendo confundido como uma realização gastronômica que integra à dramaturgia em algumas passagens, como o filho preparando para a família um jantar tradicional. Dividido entre a realidade americana e a herança coreana do Ano Novo, ele articula um prato típico, o kalbi, seguindo a receita da mãe para pinçar sua ligação forte de vínculo afetivo inquestionável. Menciona a costela marinada com gengibre, na qual a carne tem de permanecer ligada ao osso para realçar o gosto naquele banquete crepuscular. Na hora de servir, veste um traje de gala, prevendo ser a última refeição com a mãe, que tosse compulsivamente, dando mostras da saúde precária. Todos tentam uma felicidade distante e forjada de reconhecimento. São cenas que emocionam pelas memórias buscadas no passado que virão à tona para uma apreciação sobre alguns momentos decisivos enfrentados com as expectativas e planos projetados pelos pais.

Temas como a morte, solidão e doença foram exploradas com méritos inegáveis pelo genial Ingmar Bergman em Morangos Silvestres (1957) e na incomparável e inigualável obra-prima Gritos e Sussurros (1972); em Viver (1952), de Akira Kurosawa, ou ainda em Amor (2012), de Michael Haneke, que explora um naturalismo exposto como vísceras e a dacadência humana intensa, embora bergmaniano na abordagem proposta, teve na forma a crueza direta e em nada comparável com a estética criativa e metafórica dos mestres inspiradores. Wang faz um painel misto de intimidade de microcosmo familiar pontuando a distância entre o filho educado nas melhores escolas da sociedade americana e a mãe tradicional da sociedade coreana. Aborda as tensões familiares contrapondo a dificuldade da convalescença materna como sendo figura central para ele, através de flashbacks recentes e outros da juventude do jovem. Rodado naquele cenário de um pequeno apartamento com bonita vista em que a câmera fica estática, na maioria das vezes, na sala e no quarto ao lado, onde está uma mulher agonizando na cama. Os membros da casa estão, aparentemente, unidos pela dor na experiência melancólica da angústia de um ente querido em estado de decrepitude com o passar do tempo. Méritos para o realizador que não descamba para o melodrama sentimental apelativo barato, ao construir um cenário com personagens fortes, às vezes revoltados com o destino, mas compreensível no contexto, com contidas emoções existenciais sobre o progressivo fim do ser humano.

O drama mergulha em alguns pequenos rancores e o reconhecimento mútuo de duas pessoas que partilharam uma vida com algum distanciamento fruto da sobrevivência. Um filme com força dramática, sombrio e reflexivo sobre a doença e a morte, onde o silêncio prevalece sobre os poucos diálogos e expressões corporais, mas que são reveladores quando há, com muitas imagens em que os olhares dos personagens falam por si só. Ou ainda, quando a mãe cantarola a famosa canção Let It Be, dos The Beatles, mas desabafa dizendo como pode uma música tão linda se tornar feia. De Volta Para Casa é instigante sobre o distanciamento e a aproximação nas relações humanas do grande amor maternal. A dor dilacerante corta e mexe com o espectador e suas emoções, mesmo sem ser um filme de grandiloquência, mas que se estende pelas dependências do lar. O cineasta conduz a história sem arroubos ou manifestações esperançosas já antecipadas no prólogo e depois na aproximação do ocaso da vida, com uma única metáfora que é buscada na relação carne e osso entre mãe filho na aula de culinária. Elogiável a magnífica cena final do retorno do casal do aeroporto, sem as amarras do sofrimento angustiante da moléstia devastadora e implacável, numa poética licença lírica de dignidade com propriedade, mas com um olhar implacável.

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