terça-feira, 3 de março de 2020

Democracia em Vertigem



Perigoso Retrocesso

A cineasta mineira Petra Costa é neta do fundador de uma grande construtora brasileira envolvida na Lava-Jato. Portanto, é uma mulher rica, que lhe legitima abordar por seu ângulo a crise da nação brasileira no documentário Democracia em Vertigem. Narrado em off, num tom sombrio, entediado e pessimista com o destino das fragilidades democráticas que cercam o País. As peripécias que passam o povo e o seu futuro incerto são carregados pela subjetividade ao colocar em lados opostos membros da própria família, em que seus avós defendem a extrema-direita contrapondo com os pais ativistas de esquerda, num relato sincero e destemido sobre os rachas existentes no âmbito familiar. A mãe da realizadora, uma militante presa pela ditadura, é uma das personagens no encontro com a ex-presidente Dilma Rousseff, nos tensos momentos da queda pelo processo de impeachment, atribuído como golpe das forças conservadoras e o auxílio prestimoso do ex-presidente Michel Temer, à época então vice-presidente. Há a inserção de vários discursos de políticos renomados, onde são enumerados vários fatos com imagens reveladoras para provocar o espectador a tomar uma posição sobre os acontecimentos históricos quer marcaram a transição dentro do governo.

Petra vem precedida dos prêmios de melhor documentário pelo júri popular, melhor direção, montagem e arte no 45º. Festival de Brasília de 2012, menções especiais no Festival Internacional de Guadalajara e no Festival de ZangrebDox, com seu festejado longa de estreia, Elena (2012). O documentário foi uma grata surpresa no aspecto da beleza estética formal que refletiu a preocupação do cinema autoral, sobre a memória reconstruída pela diretora que aos 7 anos viveu um grande drama pessoal com a morte prematura de sua irmã mais velha, de apenas 20 anos, em Nova Iorque, ao seguir o sonho convulsivo que poderia tornar-se realidade em ser atriz, tal qual sua mãe imaginava contracenar com Frank Sinatra. Deixou no Brasil uma infância vivida na clandestinidade, devido à Ditadura Militar implantada naqueles repressivos duros anos de chumbo. Duas décadas depois, embarcou também para os EUA atrás da irmã, tendo como pistas apenas algumas cartas, diários e filmes caseiros, com imagens que se fundiam com as palavras mencionadas em formato poético sobre a perda e o luto de um inventário realizado para exorcizar um passado. São relatos de dor e a tristeza numa realização melancólica de nunca mais poder ver e ter em seu convívio aquela moça sonhadora, de uma vontade louca pelo estrelato, que se desilude, deixando a morte a levar por uma composição de remédios e álcool.

Democracia em Vertigem é um interessante documentário em uma estrutura contado na primeira pessoa, sem ser definitivo e nem cair em recorrentes obviedades, retrata não tão somente o impeachment de Dilma por não ser o foco central, mas os caminhos da intrincada política brasileira, em que o protagonista é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, retratado na cena de abertura e ganhando destaque no desfecho. A documentarista aborda os primeiros passos da trajetória política desde sua iniciação como metalúrgico e presidente do sindicato no ABC paulista até sua prisão pelas acusações decorrentes do envolvimento na operação Lava-Jato. Torna-se o líder sindical que simbolizou a ascensão da classe trabalhadora até chegar à Presidência da República, bem como as alianças nefastas que o levaram ao poder e a consequente condenação. O filme é pontilhado por passagens políticas de figuras proeminentes como Aécio Neves, Eduardo Cunha, Juscelino Kubitschek e o papel preponderante das redes sociais na eleição de Jair Bolsonaro. Embora tenha uma linha própria em sua estética, há similitude em conteúdo com os documentários nacionais: Santiago (2007), de João Moreira Salles; Diário de Uma Busca (2010), de Flávia Castro; ou ainda em Uma Longa Viagem (2011), de Lúcia Murat.

No filme intimista anterior, Elena, a realizadora não deixou escapar a política brasileira nos anos de 1980 e sua geração que abandonou o país na ânsia da liberdade à procura de novas oportunidades. Enfatizou os elementos psicológicos bem caracterizadores e envolventes que registravam com rara qualidade uma obra marcante no cenário nacional. Agora com Democracia em Vertigem lança um olhar de preocupação e angústia com as iminentes fragilidades de nosso sistema político corroído por um conservadorismo galopante que pode desconstruir e levar ao retrocesso institucional a tão combalida democracia brasileira. Petra faz uma leitura bem pessoal das últimas décadas, como na cena de seu aniversário em 1984, período marcante pelas “Diretas Já”, no célebre movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais com a votação da proposta de Dante de Oliveira na Emenda Constitucional pelo Congresso.

O documentário não é conclusivo sobre os rumos da política brasileira, embora seja uma proposta com tintas ambiciosas sobre a grande engrenagem que envolve os meandros intrínsecos e extrínsecos que norteiam o destino do Brasil como um Estado democrático. O respaldo por uma sustentação sólida na abordagem socioeconômica, deixa com clarividência as fragilidades preocupantes que rondam este painel difuso. O próprio partido do PT sofre críticas bem consideráveis na sua essência, pela diretora, nos lampejos de imparcialidade cobra uma autocrítica dos membros do partido. O filme não é folhetinesco como apregoa a parcela conservadora, embora haja a identificação pelo engajamento, ao optar pela não isenção. Também não se filia contrário à causa das minorias de classe. Há uma preocupação da cineasta em tentar sempre colocar imagens dos dois lados nas manifestações e passeatas, tanto a favor quanto contrárias aos governos petistas. Eis um relato significativo e relevante por seu aspecto histórico de um convalescente regime que verga da democracia para o perigoso estado de exceção sob o manto do autoritarismo. Fica o alerta para a necessária reforma política ampla em detrimento de candidatos demagogos e suas promessas vazias reiteradas na história das eleições como reflexão do passado e do presente de uma nação moribunda institucionalmente.

Um comentário:

rmmrodri disse...

Uma bela farsa muito bem montada que tenta distorcer a realidade, embora com relativo talento cinematográfico, não convence quem tem conhecimento das informações verdadeiras. Convence apenas os doutrinados e iludidos pelas ideologia do lulopetismo.