quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Mostra de Cinema São Paulo (Força Maior)

















Força Maior

Vem da Suécia a comédia dramática Força Maior, quarto longa-metragem de Ruben Östlund, também responsável pelo roteiro, que venceu o prêmio de melhor filme do júri da mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes de 2014. Está com boa acolhida de púbico na 38ª. Mostra de Cinema de São Paulo, ao retratar a atitude falseada da verdade com efeitos desastrosos para o psicológico do ser humano, diante da gravidade das palavras sem noção de lógica e equilíbrio, predominando o destempero pela facilidade da verve acusatória sem medir as consequências quase que trágicas do âmbito familiar, embora distante e ausente dos personagens.

A premissa deste longa com intenções sérias é boa, mas pela falta de ritmo equilibrado da mescla de uma narrativa dramática com o senso de humor transforma numa babel, que perde o foco e a o objetivo proposto. Salva-se a estonteante fotografia de Fredrik Wenzel, com imagens dignificantes da estação de esqui e os gelos em flocos. O prólogo é a chave do desenrolar e o estopim da trama, com a avalanche que se aproxima de um grupo de turistas e desaba sobre a varanda de um restaurante nos Alpes franceses frequentado por esquiadores amadores. É lá que o casal de classe média alta Tomas (Johannes Kuhnke) e Ebba (Lisa Loven Kongsli) resolve passar suas férias com os dois filhos menores. A ideia é fugir do trabalho e da rotina, para se divertir e gozar as benesses daquele lugar paradisíaco para usufruir e esquecer tudo na vida.

No primeiro dia das férias, que serão grifadas como atos teatrais em uma semana, acontece um almoço que quase vira tragédia e causa pavor pela ameaça de serem todos soterrados vivos. Mas terá desdobramentos até o epílogo da história, com acusações inconsequentes, teses escabrosas e baratas, além de uma esquizofrênica terapia grupal desmedida e sem critério algum, em que o diretor solta de maneira desenfreada o elenco, com equívocos se sobrepondo, quase derivando para uma comédia pastelão.

Ebba afirma de pés juntos que protegeu os filhos e gritara por socorro para o marido, que teria fugido do local em desabalada corrida para bem longe do acidente, mais preocupado em salvar seu celular. Tudo é muito rápido e a dúvida persiste, méritos para o diretor neste aspecto pontual, que transmite a apreensão dos personagens pelo perigo iminente, deixando claro que o instinto de sobrevivência é mais forte, mesmo em determinados momentos na reação com o coletivo. A crise do casal explode e as situações que advirão nos demais dias serão um verdadeiro bate-boca e um flagelo em pleno lazer. Outros dois casais serão envolvidos na trama e darão suas opiniões em forma de escracho e pouca seriedade pelo cineasta que joga fora seu projeto arquitetado como reflexão do microcosmo familiar colocado em xeque por terceiros. Há desconforto para todos e as conversas íntimas confrontam o marido como um algoz condenado diante de pessoas estranhas, em situações que vão constranger e humilhar, de certa forma.

Não há rigor formal em Força Maior, embora a frieza das cenas sejam necessárias, mas o distanciamento crítico ao casal de protagonista é raso ou evapora pela falta de segurança e capacidade de manter um ritmo adequado, pouco se aproveita das mesquinharias ditas. Os personagens ficam à deriva e perambulam como fantasmas perdidos no turbilhão da parafernália desequilibrada imposta sem critérios na trama. Quando o humor involuntário surge, mais afunda a reflexão, a galhofa é irritante e soa como basbaquice desinteressante ditas excessivamente por uma grosseria distante da bem-vinda sutileza, o que faz beirar ao ridículo.

Östlund abusa das muitas concessões, bem que poderia ter se aprofundado no tema da depressão, por exemplo, tendo em vista que Tomas mostra-se cada vez mais envolvido com o sentimento de culpa e desaba diante do desprezo da mulher e dos filhos. A ideia no bojo do filme de provar para todos que não é um pusilânime, inclusive aos familiares, também não é suficientemente bem elaborado no psicologismo de plantão. Fica vago e solto, com poucas nuances marcantes de uma abordagem consistente. Sente-se coagido e julgado como se estivesse numa vara de audiência pública de um tribunal inquisidor para defender-se das acusações, mas falta também convencimento da frouxa direção. Descamba novamente para o escárnio, como na cena da tortura moral sofrida que desata num choro dramático do marido que provoca risos. A ausência do amor familiar é a reflexão que deveria ter deixado como contribuição, mas pelos equívocos cometidos ruíram pela falta de seriedade de uma análise mais profunda que ficou pelo caminho, talvez tragada pela avalanche.

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